Na histórica reunião que autorizou o início da vacinação contra a covid-19 no Brasil, neste domingo (17), gerentes e diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) adotaram posturas que contrariam manifestações recentes do Ministério da Saúde e de integrantes do governo federal sobre o coronavírus.
A ausência de remédios eficazes contra a doença e a importância do distanciamento social e do uso de máscaras foram destacados em materiais técnicos e durante os votos dos integrantes da diretoria.
A principal divergência em relação ao discurso oficial do governo foi a admissão, por parte da entidade, de que a liberação imediata dos imunizantes é importante pela falta de qualquer outro medicamento eficaz. Em um slide projetado pelo gerente de Medicamentos, Gustavo Mendes Lima, entre os argumentos favoráveis à autorização em caráter de urgência, lia-se: “Ausência de alternativas terapêuticas”.
O chamado “tratamento precoce”, baseado em um kit com medicamentos sem eficácia comprovada contra o coronavírus, é uma das principais bandeiras do Ministério da Saúde e do presidente Jair Bolsonaro para conter a doença. No sábado, o Twitter chegou a aplicar um aviso de “informações enganosas e potencialmente prejudiciais” em uma publicação oficial do ministério que estimulava a busca do tratamento precoce.
Os pronunciamentos dos diretores também contrariaram, indiretamente, posturas negacionistas muitas vezes repetidas por Bolsonaro e apoiadores, como a diminuição da gravidade da pandemia e da eficiência de medidas como distanciamento social e uso de máscaras.
— No nosso vocabulário, não há espaço para negação da ciência ou a politização. Não há. A Anvisa se pauta por evidências e é dependente da ciência — declarou um dos cinco diretores, Alex Campos.
Em seguida, culpou a ineficiência de todas as esferas de governo na recente tragédia humanitária em Manaus:
— A tragédia humana de Manaus é a expressão mais triste e revoltante da falha do Estado em todos os níveis. A 10ª economia do mundo, uma das sociedades mais desiguais do planeta, é uma nação civilizada ou vive a distopia da barbárie? A tragédia da morte por falta da terapia mais simples, o oxigênio, é atestado da nossa ineficiência. Se de um lado a ciência nos dá uma resposta notável, de outro, a política deveria nos servir de caminho para cuidar das pessoas.
O diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra, ressaltou que a proximidade da chegada dos imunizantes não permite reduzir medidas preventivas e voltou a ressaltar a gravidade da pandemia:
— A ameaça ainda está à porta. O lobo ainda ronda o nosso quintal. Nessa contenda, as máscaras são elmos, o álcool gel são luvas, e o distanciamento social é a forma de nos unirmos rumo à vitória que virá.
Apelou ainda para que a população não dê ouvidos a boatos de que as vacinas seriam inseguras, como muitas vezes cogitado pelo Planalto, e concluiu:
— Confie nas vacinas que a Anvisa certifica. Quando elas estiverem ao seu alcance, vá e se vacine.