- Butantan e Fiocruz não têm data prevista para receber matéria-prima importada para fabricar doses
- Risco de atraso pode postergar produção de doses no Brasil e colocar em xeque calendário de fabricação dos institutos
- Médicos destacam necessidade de o Brasil não só começar a vacinar, mas manter alto ritmo de aplicação de doses
Atrasos no envio de matéria-prima para a fabricação, no Brasil, de vacinas nos laboratórios da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Butantan podem colocar em xeque o calendário e o andamento da campanha de vacinação contra a covid-19 no país.
Até agora, não há data prevista para a chegada do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), insumo fundamental para a produção da vacina de Oxford e da CoronaVac no Brasil, às instituições.
O atraso no envio do ingrediente preocupa porque, segundo analistas, apenas a partir da fabricação das doses no país é que a campanha de vacinação contra o coronavírus deslanchará de vez. Enquanto isso, o Brasil dependerá da importação de uma quantidade de doses que não dará conta de imunizar sequer os grupos prioritários.
— O IFA é o componente ativo da vacina. Ter IFA atrasado significa não produzir vacina. Sem ele, nada acontece. E, sem produção de vacinas no Brasil, não existe campanha de vacinação — destaca Eduardo Sprinz, chefe do setor de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou nesta segunda-feira (18) que, caso o IFA não chegue da China até o fim deste mês, o cronograma de vacinação com a CoronaVac poderá ser adiado.
— Preocupa, sim, a chegada da matéria-prima. Essa matéria-prima precisa chegar para não parar o processo de produção. E esperamos que isso aconteça muito rapidamente. Porque, se chegar neste mês, nós manteremos o cronograma de entrega de vacinas — afirmou Covas.
O Butantan tem capacidade para produzir 1 milhão de doses da CoronaVac por dia, mas isso depende de receber o IFA da Sinovac. Dimas Covas ainda disse que o problema na liberação desses insumos é de ordem burocrática.
— Temos um carregamento de matéria-prima pronto lá na China para ser despachado e estamos aguardando autorização do governo chinês para, aí sim, iniciar a segunda etapa de produção — afirmou.
Contatado por GZH, o Butantan informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que a Sinovac já liberou o carregamento de IFA, mas que o lote aguarda o aval do governo da China. Sobre o assunto, o Ministério da Saúde afirmou em nota que, se o Butantan requerer apoio ao governo federal, “será dada toda ajuda necessária”.
Além das 6 milhões de doses que começaram a ser distribuídas nesta segunda no país, restam no Butantan 4,8 milhões de doses já recebidas da Sinovac, envasadas e prontas para aplicação em brasileiros, mas que precisam aguardar autorização para uso emergencial da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O pedido foi feito nesta segunda-feira e tem até 10 dias para ser aprovado, mas diretores da agência reguladora afirmaram que o processo deve ser ágil.
A falta de previsão de data para receber o IFA também é um problema que acomete a Fiocruz. Neste caso, a responsabilidade do envio é do laboratório anglo-sueco AstraZeneca, que atua para organizar o repasse do ingrediente produzido na fabricante chinesa WuXi.
A Fiocruz previa receber o insumo em dezembro, mas o mês passou sem que isso ocorresse. A projeção passou para janeiro, mas, até agora, o IFA ainda não chegou.
A ausência de envio chama atenção em meio à projeção da presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, de que a fabricação da vacina de Oxford no Rio de Janeiro começaria em 20 de janeiro, próxima quarta-feira.
O planejamento da Fiocruz era de que, após receber o IFA, começaria a produção para entregar o primeiro lote da vacina de Oxford com 1 milhão de doses produzidas no Brasil entre 8 e 12 de fevereiro.
Na semana seguinte, seria liberado mais um lote de 1 milhão de doses e, a partir da terceira semana, de 22 a 26 de fevereiro, seriam 700 mil doses diárias, totalizando 3,5 milhões de doses semanais.
Assim, a Fiocruz entregaria 110,4 milhões de doses até julho de 2021 e, após a transferência de tecnologia para produzir o IFA localmente, sem depender do envio pela AstraZeneca, mais 110 milhões de doses seria fabricadas no segundo semestre.
Campanha de vacinação pode ser afetada
Mas, se o ingrediente atrasar, a campanha de vacinação no Brasil será seriamente afetada, alertam analistas. O grosso do Plano Nacional de Imunização é a vacina de Oxford, a principal aposta do governo Jair Bolsonaro. O contrato com a AstraZeneca prevê que, se o laboratório não fornecer o IFA à Fiocruz, deverá enviar as vacinas já prontas ao Brasil.
— A Fiocruz aguarda apenas a chegada do IFA. Caso não chegue até o dia 25, há um contrato que prevê que a AstraZeneca, responsável por esse processo, terá de nos fornecer doses prontas. Estamos com a linha de produção completamente pronta para dar início. Precisa ter o ingrediente, a matéria-prima. Não podemos fazer nada sem ter a IFA enviada do Exterior — afirmou a pesquisadora da instituição, Margareth Dalcolmo, à CNN nesta segunda-feira.
A Fiocruz, contatada por GZH nesta segunda-feira (18), informou por meio de sua assessoria de imprensa que o contrato possibilita a chegada do IFA até o fim de janeiro. Acrescentou, ainda, que o cronograma de produção detalhado será divulgado em breve e destacou que a instituição está pronta para começar a produção, bastando apenas o IFA ser enviado pela AstraZeneca.
Questionada sobre o motivo do atraso no recebimento do IFA, a Fiocruz informou que a reportagem deveria buscar a AstraZeneca. Procurada por GZH, a AstraZeneca enviou uma nota na qual afirma que “continua trabalhando para liberar os lotes planejados de IFA para a vacina o mais rápido possível”.
O envio do IFA ao Brasil esbarra também em questões diplomáticas na China, país do laboratório que deverá fornecer o ingrediente à Fiocruz, informou o jornal Folha de S.Paulo.
O Ministério da Saúde disse a GZH que a China “é uma das grandes produtoras de IFA para Butantan e Fiocruz, e o governo brasileiro segue com negociações diplomáticas relativas à questão, bem como a AstraZeneca Global e a representante do Brasil”.
— A informação que temos é de que Fiocruz e Butantan estão fazendo o máximo de esforço para esse processo se tornar mais ágil. A notícia é muito boa de começar a vacinação, mas sabemos que isso vai terminar rapidamente. Temos que esperar o governo e as instituições envolvidas agilizarem esses processos para poder finalmente começar a produzir no Brasil. Aí muda completamente o cenário. Enquanto não começar a produção aqui no Brasil, não deslancharemos a campanha — afirma Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
No domingo (17), a Anvisa aprovou, além das 6 milhões de doses da CoronaVac importadas da China, 2 milhões de doses da vacina de Oxford produzidas no Instituto Serum, da Índia. As negociações não avançaram por entraves diplomáticos do governo indiano, que deve fornecer as doses de Oxford antes aos vizinhos Butão, Bangladesh, Nepal, Mianmar, Sri Lanka, Afeganistão, entre outros, segundo o jornal Times of India.
Em coletiva na tarde desta segunda-feira (18), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou que não teve até agora "resposta positiva" sobre a importação das doses da Índia, mas disse que recebeu a “sinalização” de que o embarque ocorrerá nesta semana.
Em nota a GZH, o Ministério da Saúde afirma que o governo brasileiro segue em tratativas diplomáticas com a Índia e que “todas as medidas que cabem ao Ministério da Saúde foram executadas, desde a compra da vacina em sua totalidade, emissão de documentos de importação e exportação, além de contratação de transporte”.
— Essas doses (6 milhões da CoronaVac) não dão nem para imunizar os profissionais da saúde do Brasil. É o problema de depender da tecnologia estrangeira e fazer vacina da AstraZeneca ou da Sinovac. Se tivéssemos feito uma vacina brasileira, estaríamos produzindo e vendendo — comenta a imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI).