O Rio Grande do Sul não é destaque nacional em notícias sobre furar fila de vacinação. Isso porque os casos suspeitos de drible na ordem de prioridade, em território gaúcho, atingem um mesmo segmento: trabalhadores da área de saúde. Alguns relatos são de que profissionais da linha de frente contra a covid-19 teriam sido preteridos em favor de outros que trabalham na retaguarda do sistema sanitário.
Isso aconteceu porque os municípios têm autonomia relativa para decidir quem deve ser vacinado. A Secretaria Estadual de Saúde (SES) divulgou uma nota técnica que alinha prioridades na vacinação – mas a nota não é lei, é uma recomendação. Abre brecha, portanto, para que algumas cidades decidam variar critérios por conta própria.
Da primeira leva de doses da CoronaVac, a SES conta com 341 mil doses de vacinas para distribuir a 497 municípios. A determinação era vacinar 34% dos trabalhadores da saúde (com prioridade para os que lidam diretamente com covid-19), todos os idosos que moram em asilos, todas as pessoas maiores de 18 anos com deficiência que vivem em residências inclusivas e toda a população indígena que vive em aldeias. O plano de vacinação consta nesse link: https://coronavirus.rs.gov.br/tevacinars
Acontece que em alguns municípios, como Alvorada, na Região Metropolitana, servidores de carreira e funcionários comissionados (CCs) da farmácia municipal foram vacinados na primeira leva. Teriam, inclusive, sido imunizados antes dos trabalhadores de hospitais e postos de saúde, o que gerou questionamentos nas redes sociais.
Em Butiá, Região Carbonífera, funcionárias de uma farmácia privada postaram fotos com cartões de vacina, comemorando. Elas aplicam testes de covid-19 em clientes e, por isso, a prefeitura considerou que têm direito à prioridade na vacinação. Em Piratini, no sul do Estado, ocorreu caso semelhante: cinco atendentes de farmácias particulares foram vacinados, supostamente, com vacinas que sobraram do lote inicial.
Quem é prioridade na vacinação
A SES publicou nota técnica sobre o cenário 1 (o que fazer com as primeiras doses) da fase 1 (grupo prioritário na totalidade, superior a quantidade de vacinas) de imunização. Além da totalidade de idosos em asilos e indígenas aldeados, a nota detalha os profissionais a serem priorizados:
“Recomenda-se a seguinte ordem para vacinação dos trabalhadores da saúde:
- Unidades de Tratamento Intensivo, de Internação Clínica e componentes da Rede de Urgência e Emergência (Unidade de Pronto Atendimento e Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) referência para atendimento a pessoas com covid-19: todos os trabalhadores de saúde — profissionais de saúde de diferentes categorias (incluindo nível superior e técnico), trabalhadores de higienização, de setor administrativo (conforme organização de cada local), motoristas de ambulância e técnicos.
- Atenção Básica — Atenção Primária à Saúde (APS/AB): municípios com ILPIs (asilos) e terras indígenas em seu território deverão ter vacinados somente os profissionais de saúde que irão compor equipes que realizarão a vacinação junto a estas instituições e aldeia indígena.
— Municípios onde há equipe de APS/AB e não há oferta de serviços de maior complexidade, nem asilos, residências Inclusivas ou terras indígenas: vacinar os profissionais que prestam assistência direta a pessoas suspeitas ou com confirmação de covid-19 nestas unidades”.
É nesse último trecho da nota que prefeituras se embasaram para vacinar servidores de farmácias. Acontece que, em alguns casos que serão checados pela Polícia Civil e Ministério Público, a suspeita é de que a imunização desses atendentes de farmácia e farmacêuticos tenha ocorrido antes da dispensada a profissionais dos postos de saúde e hospitais.
A diretora do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (CEVS), Cynthia Molina-Bastos, diz que as prefeituras “não poderiam vacinar farmacêutico, por exemplo, se ainda não tivesse vacinado todos os profissionais de linha de frente”. No entanto, ela reconhece que muitas dúvidas surgiram nas cidades. Por isso, o órgão publicou uma nova recomendação, no domingo (24), e promete fazer uma última até terça-feira (26), em conjunto com o Conselho Regional de Farmácia (CRF). O texto seria divulgado nesta segunda (25), mas foi adiado. O CRF defende que todos os trabalhadores em farmácias sejam imunizados no primeiro grupo:
— Não podemos prejudicar nem favorecer um profissional porque trabalha na rede privada — argumenta Cynthia.
Na nova nota, a ideia é detalhar passo a passo um ordenamento de cada um dos grupos de profissionais de saúde que devem ser priorizados, para evitar dúvidas de gestores e problemas na imunização.
— Faz muito mais sentido seguir a recomendação do Estado, porque ela tem uma lógica. A partir do momento que cada um faz do jeito que quer, vai ter algumas questões de cadeia de transmissão e risco que vão acontecer em paralelo, podendo acontecer surtos — diz Cynthia.
A coordenadora ainda explica que mantém contato com municípios para verificar se sobraram doses após a vacinação da totalidade de asilos, indígenas e o grupo de profissionais que atendem casos confirmados ou suspeitos de covid-19. Eventualmente, a CEVS pode solicitar a devolução de imunizantes para priorizar outros municípios que possuem profissionais da linha de frente que ainda não foram contemplados — o que ocorre com frequência na campanha contra a gripe. No entanto, agora, deve fazer um ajuste posterior: caso tenha ido em excesso para alguma cidade, deve ser reduzida a quantidade futura.
O Ministério Público e a Polícia Civil vão investigar situações em alguns municípios, como Alvorada. Os policiais civis inclusive disponibilizam o fone (51) 98444.0606 para dicas. E também outras dentro do universo da saúde pública: há suspeita de prioridades a diretores e servidores administrativos de hospitais em detrimento de quem é da linha de frente.