Ísis Mariana Cardoso Labres, 1 ano e 4 meses, nasceu em Torres, no Litoral Norte, e foi diagnosticada aos quatro meses de vida como portadora de uma doença rara, degenerativa e que pode atingir um em cada 10 mil bebês nascidos. A atrofia muscular espinhal (AME), segundo levantamento médico, já teve três casos no Rio Grande do Sul com atendimento médico específico, mas a terapia de Ísis foi a primeira a ser realizada no Estado.
Antes, porém, de a criança ser sorteada em programa assistencial e de conseguir gratuitamente o primeiro tratamento no Hospital Moinhos de Vento, na Capital, os pais travaram uma batalha para obter verbas para ir aos Estados Unidos e dar esperança de vida para a filha. O tratamento custa em torno de R$ 12 milhões.
A informação sobre o caso de Ísis foi divulgada nesta quarta-feira (13), mas o tratamento ocorreu dia 21 de dezembro, e a pequena pôde passar em casa o primeiro Natal. Ela tinha que fazer a terapia até os dois anos de idade, caso contrário, os músculos atrofiariam até causar a morte da menina, já que isso causaria dificuldades progressivas para ela se movimentar e até mesmo para respirar.
— Foi a pior notícia da nossa vida. Fizemos vários exames e a médica disse que o da AME seria o último, já que ela não acreditava que poderia ser, mas deu positivo. Isso acaba com qualquer pessoa. Seguimos a luta e tentamos, por meio de várias pessoas, verba de doações — diz Larissa Cardoso, mãe de Ísis.
Mobilização
Larissa e Mateus Labres, que também têm outra filha, com três anos de idade, fizeram uma vaquinha online e criaram um site na tentativa de custear o tratamento em Boston, nos Estados Unidos. Segundo o pai da criança, seriam necessárias aplicações de quatro em quatro meses para o resto da vida. Além disso, eles estavam em uma corrida contra o tempo.
Quando souberam da notícia, tinham apenas um ano e meio, já que depois dos dois anos não existe maneira de corrigir o problema genético. A rotina intensa de consultas e infusões exigiu que Larissa levasse a filha até cinco vezes por semana de Torres a Porto Alegre. Ela, inclusive, abandonou o emprego para se dedicar às filhas. A esperança nunca diminuiu, apesar de o prazo estar cada vez mais curto.
Primeira terapia no RS
Enquanto a família de Ísis seguia a luta por dinheiro e para manter as últimas esperanças do bebê, o Hospital Moinhos de Vento havia iniciado um processo para se habilitar a realizar a terapia gênica. Nesse meio tempo, surgiu outra notícia.
— Meus vizinhos vieram correndo na minha casa ao ouvirem gritos, pensando que algo havia ocorrido com a Ísis. Mas não era nada de ruim, era a notícia de que havíamos sidos sorteados e conseguido o tratamento gratuito. E melhor, aqui no Estado — comemora Larissa.
A menina passou por avaliações para que o tratamento fosse possível. Equipes com 30 médicos, farmacêuticos e enfermeiros foram treinadas para realizar o procedimento. Ísis passou a receber o tratamento sem nenhum custo por meio de um Programa Assistencial de Acesso Expandido, e o Moinhos de Vento pagou todas as despesas médicas, assistenciais e hospitalares.
— Decidimos priorizar a atuação no tratamento de doenças raras com terapia gênica, buscando o desenvolvimento contínuo da complexidade das nossas práticas médicas. No caso da Ísis, toda preparação e treinamento nos coloca como referência para aplicação da terapia gênica na América Latina — diz o superintendente médico do Moinhos, Luiz Antonio Nasi.
Tratamento
A família de Torres teve ainda outra notícia boa. O tratamento, que dependeria de intenso acompanhamento médico por um grande tempo ainda, seria em uma única vez, não precisando ser mais como os pais de Ísis previam, em Boston, com três aplicações anuais.
A médica geneticista Elizabeth Silveira Lucas, do Hospital Moinhos de Vento, explica que a AME é uma doença genética rara na qual a criança não possui ou possui baixos níveis de um tipo de proteína responsável por manter os neurônios motores saudáveis, o que possibilita os movimentos.
— Essa nova medicação deve ser aplicada antes dos dois anos de idade. A terapia utiliza um vetor viral inofensivo para humanos que, ao ser injetado no organismo, leva o gene responsável pela produção da proteína para dentro das células. A expectativa é de que com uma única aplicação seja possível "corrigir" o DNA e fazer com que a criança passe a produzir corretamente a proteína para que os neurônios motores funcionem normalmente — ressalta Elizabeth.
O chefe do Serviço de Pediatria do hospital, João Ronaldo Krauzer, diz que Ísis recebeu a medicação no final de dezembro, ficou em observação por cinco horas e depois foi liberada, sem necessidade de internação. Segundo ele, por ainda precisar de outros procedimentos, a menina vai levar um tempo para retomar todas as funções. Mas para Larissa e Fabres, isso é o de menos. A família, que teve o maior presente de Natal da vida, comemora e agradece a todos que ajudaram, não só o sorteio para o programa assistencial e o atendimento no Moinhos de Vento, mas às pessoas que ajudaram na busca de verbas.
A médica Elisabeth ressalta que Ísis permanecerá cinco anos em acompanhamento para que sua evolução possa ser avaliada.
O que é AME
É uma doença degenerativa que atinge apenas um a cada 10 mil nascidos. A capacidade do corpo de produzir uma proteína específica e essencial para o desenvolvimento e a sobrevivência dos neurônios motores é extremamente comprometida. O cérebro necessita dessa proteína para enviar ordens para os músculos pelos nervos.
Esses neurônios são os responsáveis pelos gestos voluntários vitais que, para todas as outras pessoas, são gestos simples do corpo como, por exemplo, se mover, engolir, falar e respirar. A medicina atual identifica quatro tipos de AME, sendo que Ísis foi diagnosticada com o tipo mais grave.
Além de Ísis, que foi a primeira criança a receber esse atendimento específico no Estado, outras duas pequenas gaúchas também tiveram AME. Outra menina, chamada Lívia Teles, de Teutônia, no Vale do Taquari, foi atendida ano passado de forma particular em Boston, após campanha realizada pelos pais, e também em 2020, Júlia Cardoso Torres, a Juju de Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, recebeu terapia em Recife, em Pernambuco.