Foram 15 dias de sentimentos conflitantes. Enquanto comemoravam o sorteio da filha para um tratamento que dispensaria o pagamento de US$ 2,1 milhões (na cotação atual, R$ 11,8 milhões), Silviane Bica Cardoso e Ramsés Valdivio Gonçalves Torres continham a euforia com um medo: qual seria o resultado dos exames que atestariam a aptidão da bebê para ser medicada? Na noite desta quinta-feira (1), a felicidade pôde extravasar:
— Acabou de sair o resultado do exame. Tudo certo com a Juju. Deu tudo certo, graças a Deus! — festejou a mãe, em um áudio encaminhado a dindos e dindas, familiares e amigos que integraram a corrente do bem.
A menina, Júlia Cardoso Torres, a Juju, de um ano e sete meses, tem Atrofia Muscular Espinhal (AME). Segundo estudos científicos avaliados pelo Instituto Nacional de Atrofia Muscular Espinhal (Iname), a síndrome é a principal causa de morte de bebês por questão genética. Com baixos níveis de SMN, proteína que possibilita os movimentos, as crianças com AME têm fraqueza progressiva dos músculos e atrofia, o que pode levar à morte por falência respiratória.
Juju foi sorteada no último dia 15 de setembro e passou a integrar um estudo da farmacêutica Novartis, que detém o registro do remédio no Brasil, o Zolgensma. Correndo contra o tempo, ela tem até os dois anos de idade para ser medicada, data limite para eficácia do tratamento.
Com a divulgação dos resultados, ela será a primeira gaúcha a receber o remédio no Brasil, e não precisará viajar aos Estados Unidos.
— Agora é começar a jornada. Estamos muito felizes, o choro vem e passa, vem e passa. Uma emoção e gratidão muito grande — afirma Silviane.
O tratamento será ministrado em Recife, capital de Pernambuco. A previsão da família é ir até o nordeste brasileiro em 16 de outubro.
Desde que foi diagnosticada, há um ano, Juju ganhou campanhas para arrecadação do dinheiro. Pedágios em semáforos, vaquinhas virtuais e até uma rifa, que premiará o sorteado com um terreno em um condomínio de alto padrão, foram realizados. O valor atual, informado pelo site amejuju.com.br é de R$ 3,7 milhões, campanha que não será interrompida.
— O dinheiro servirá para outras crianças — afirma a mãe.
A doença, que afeta um a cada 10 mil recém-nascidos, já foi tratada com dose de Zolgensma por outra gaúcha, da mesma região: a pequena Lívia Teles, de um ano e 10 meses, recebeu em agosto passado a dose de Zolgensma. Moradores de Teutônia, a família viajou para Boston no final de julho. O valor milionário foi bancado também por meio de mobilizações de solidariedade, uma campanha que durou um ano, e teve doadores até do Exterior.
Entenda o que é AME
A atrofia muscular espinhal (AME) é uma doença genética e hereditária que resulta em fraqueza progressiva dos músculos e atrofia, podendo levar à morte por falência respiratória.
Ela é causada por mutações em um gene, o SMN1. Pessoas com apenas uma única cópia alterada do gene não terão sintomas da doença, mas são portadoras. Caso tenham filhos com outra pessoa que também tem uma cópia mutada, há 25% de chance dos filhos manifestarem a Ame. É classificada com base na idade de início:
- TIPO 1 – Forma severa que pode se manifestar no bebê ainda no útero da mãe.
- TIPO 2 – Forma intermediária que se manifesta entre 3 e 15 meses de idade.
- TIPO 3 – Forma menos severa, a partir dos 2 anos até a vida adulta.
Tratamento
Sem uma cura definitiva, o tratamento exige fisioterapia e aparelhos ortopédicos. O único medicamento disponível no mundo que atua para que a degeneração não progrida é o Spinraza, disponível no Brasil. É necessária internação e anestesia geral para que o medicamento seja injetado.
Mas é o Zolgensma, tratamento genético com capacidade de corrigir o DNA danificado causador da doença, o que causa mais esperança em familiares de pacientes com AME. A dose única precisa ser aplicada até os dois anos de idade, diretamente na corrente sanguínea, sem necessidade de internação ou aparato mais complexo. O medicamento já teve registro aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas ainda passa por análise da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) no país.
Com ambos os medicamentos, o diagnóstico precoce é fundamental. Para isso, é necessário o chamado teste do pezinho expandido, que atualmente não é oferecido pelo SUS e custa aproximadamente R$ 80 a mais do que o teste tradicional.