A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) deve definir nos próximos meses o preço de uma droga milionária que teve registro no Brasil aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nesta semana. O Zolgensma é um remédio indicado para crianças de até dois anos que tenham atrofia muscular espinhal (AME), doença genética rara que afeta um a cada 10 mil recém-nascidos.
Terapia gênica aprovada no ano passado nos Estados Unidos, o medicamento é capaz de corrigir o DNA danificado que causa a AME. Atualmente, ele também é comercializado na Comunidade Europeia e em alguns outros países, como o Japão. No Brasil, há apenas uma droga de combate à doença, chamada Spinraza, que é de uso contínuo e contém o avanço da AME.
No início deste mês, o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, realizou a primeira infusão na América Latina da terapia gênica. A neurologista infantil Rejane Macedo foi a responsável pela aplicação numa paciente de um ano e 11 meses, que seguirá sendo acompanhada nos próximos anos.
— A AME é uma das doenças mais graves que acometem a infância porque é neurodegenerativa. A criança tem um defeito no gene SMN1, que é essencial para a produção da proteína que garante a sobrevivência do neurônio motor. Com o tempo, a criança não adquire as aquisições motoras ou as vai perdendo de forma progressiva. O tratamento com a terapia gênica precisa ser o mais precoce possível porque o medicamento não resgata os neurônios perdidos, mas ele mantém os existentes — afirma a médica.
De acordo com o grupo farmacêutico suíço Novartis, fabricante do remédio, o diferencial do Zolgensma para outros tratamentos é ser de aplicação única. Porém, a dose custa US$ 2,1 milhões, quase R$ 12 milhões. Hoje, ele é considerado o medicamento mais caro do mundo, o que deve impactar no preço dele no Brasil.
Questionada por GaúchaZH sobre o motivo do alto valor da terapia gênica, a Novartis afirma que o custo reflete décadas de pesquisas científicas, investimentos em cadeia logística e manufatura em larga escala. O tratamento, conforme a empresa, resgata a qualidade de vida dos pacientes e reduz custos para os sistemas de saúde. Ainda para justificar o alto valor, a fabricante o compara a tratamentos crônicos contínuos de outras enfermidades, como os focados na mucopolissacaridose (MPS IV e MPS IVA), cuja expectativa de vida do paciente é de 40 anos – com início de tratamento por volta dos cinco anos de idade. Neste caso, o paciente poderia gastar em torno de R$ 87 milhões ao longo da vida.
A expectativa da advogada Ana Paula Cordeiro, do grupo Campanhas AME Brasil, é de que, na hora de precificar o Zolgensma por aqui, a fabricante do medicamento leve em consideração a atual situação econômica do país e as liberações já registradas pelo governo brasileiro, como o cancelamento do imposto de importação e a isenção do ICMS em alguns Estados.
Conforme Ana Paula, cerca de 1,5 mil crianças brasileiras têm AME. Destas, 147 estão com menos de dois anos, sendo que 26 famílias mantêm campanhas virtuais no Brasil para obterem a quantia milionária que poderia dar mais qualidade de vida aos pequenos. Cinco delas são do Rio Grande do Sul.
Uma das famílias é a de Júlia Cardoso Torres, de um ano e cinco meses, de Santa Cruz do Sul. A família da menina criou a campanha virtual Ame JuJu, que já arrecadou R$ 3 milhões. O problema, relata a mãe, Silviane Cardoso, é que ainda faltam cerca de 9 milhões e restam poucos meses para Julia completar dois anos, a data limite para receber o medicamento que está chegando ao Brasil.
— Todo dia a gente tem medo que o filho da gente morra. Isso não é justo com as pessoas. Essa medicação diminui a mortalidade violentamente — desabafa a mãe de Júlia.
Antes de o medicamento ser aprovado no Brasil, uma das empresas ligadas à fabricante estava incluindo crianças de todo o mundo para participarem de um estudo sobre o Zolgensma. Em fevereiro deste ano, o Hospital Moinhos de Vento se candidatou para fazer parte da pesquisa, inscrevendo pacientes gaúchos, e se preparou para ser uma das instituições brasileiras capazes de realizar a aplicação da terapia gênica.
A médica geneticista Elizabeth Lemos Silveira Lucas faz parte da equipe da instituição que acompanha pacientes com AME no Estado. Por conhecer o tratamento, a especialista alerta que a aplicação do Zolgensma não pode ser considerada uma fácil decisão para a família do paciente. É preciso, antes, que o médico explique os efeitos colaterais que podem ocorrer.
— Apesar de os estudos do medicamento mostrarem que ele é seguro, podem ocorrer efeitos colaterais ainda desconhecidos. O paciente precisa usar antes e depois corticosteroide para diminuir a própria imunidade. E, durante uma pandemia como a de covid-19, isso é um risco. O tratamento acarreta aumento das enzimas hepáticas. Esse aumento pode durar algumas semanas, sendo que há relatos de crianças que o tratamento levou à insuficiência hepática. A criança que faz o tratamento precisará de um acompanhamento rigoroso, especialmente nos primeiros meses após a terapia — ressalta.
Mesmo sendo considerado pelos médicos e pelas famílias dos pacientes com AME uma luta contra o tempo, o tratamento com terapia gênica ainda não tem data definida para ser liberado no Brasil. A GaúchaZH, a Novartis destaca que o processo de comercialização segue prazos estabelecidos, que podem ser estendidos ao exigirem análise e discussão por parte dos técnicos responsáveis. Sendo assim, afirma que “não é possível garantir um prazo específico para que o produto tenha seu preço de comercialização aprovado”. De qualquer forma, a empresa afirma estar otimista de que isso ocorra ainda no segundo semestre deste ano e garante estar comprometida para adiantar as etapas dos processos internos para que a medicação esteja disponível assim que o preço for aprovado e publicado pelo governo. Não há uma data definida pela CMED para finalizar a análise.
Saiba mais sobre a doença
- A AME é classificada com base na idade de início:
TIPO 1 – Forma severa que pode se manifestar no bebê ainda no útero da mãe.
TIPO 2 – Forma intermediária que se manifesta entre três e 15 meses de idade.
TIPO 3 – Forma menos severa, a partir dos dois anos até a vida adulta. - Sem uma cura definitiva, o tratamento exige fisioterapia e aparelhos ortopédicos. O único medicamento no Brasil disponível até agora, o Spinraza, atua para impedir que a degeneração progrida, sendo de uso contínuo. É necessária internação e anestesia geral para que o medicamento seja injetado.
- O Zolgensma é aplicado diretamente na corrente sanguínea, sem necessidade de internação ou aparato mais complexo.
- Com ambos os medicamentos, o diagnóstico precoce é fundamental. Para isso, é necessário o chamado teste do pezinho expandido, que atualmente não é oferecido pelo SUS e custa aproximadamente R$ 80 a mais do que o teste tradicional.
COMO AJUDAR
Confira as campanhas dos bebês do RS
- Júlia Cardoso Torres, um ano e cinco meses, de Santa Cruz do Sul - @amejujurs (Instagram) e linktr.ee/amejujurs
- Enzo Gabriel Nunes Jung, um ano e quatro meses, de Novo Hamburgo - @ameoenzo (Instagram) e linktr.ee/ameoenzo
- Ísis Mariana Cardoso Labres, um ano, de Torres - @ame_isis (Instagram) e https://ameisis.com.br
- João Emanuel Rasch Schropfer, um ano, de Lindolfo Collor - @amejoaoemanuel (Instagram) e linktr.ee/unidospelojoao
- Matteo Schmitz Piccin Jardim, 10 meses, de Porto Alegre - @juntospeloteteo (Instagram) e https://linktr.ee/juntospeloteteo