Ao longo dos últimos 12 meses, além de lutar contra o coronavírus e as enormes perdas econômicas, gente do mundo inteiro brigou entre si. As dificuldades de 2020 aprofundaram a divisão entre toda sorte de gente, de líderes políticos a vizinhos e familiares, em trincheiras de pensamento como facções em guerra. Partidarizou-se tudo: estratégias de saúde pública, estudos científicos, vacinas em desenvolvimento, nada escapou da divisão ideológica.
Os atritos entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador paulista João Doria simbolizaram o ambiente bélico que opôs o Planalto e as gestões estaduais. Até o imunizante desenvolvido pela China em parceria com o Instituto Butantan, sediado em São Paulo, foi vítima do conflito: o Ministério da Saúde anunciou a aquisição de milhões de doses, mas Bolsonaro mandou recuar.
Nessa luta fratricida, se lançou mão de qualquer tipo de arma retórica – desde simplesmente ignorar fatos até inventá-los. O negacionismo e a difusão de mentiras proliferaram de boca em boca como um vírus. O presidente norte-americano Donald Trump e Bolsonaro primeiro negaram a gravidade da pandemia, depois negaram que tinham negado – a despeito de registros em áudio e vídeo. Antibolsonaristas também recorreram a falsidades: em novembro, disseminou-se em redes sociais o boato de que o presidente se elegeu deputado federal em 1994 graças a uma fraude eleitoral. Não era verdade.
Não somos preparados para viver sob tensão o tempo todo. As pessoas acabam lançando mão de defesas diante de temores e ameaças. Líderes políticos e cientistas, nesse contexto, deveriam dar as mãos e nos tranquilizar.
PALAVRA DO LEITOR ROBERTO OSSIG DE VASCONCELOS
Psicanalista
Mas a maioria dos ataques teve a razão e a ciência como alvos. Circularam na internet teses falsas de que máscaras e o distanciamento social seriam inúteis, de que vacinas contra o coronavírus teriam matado voluntários, causado danos neurológicos ou poderiam alterar o DNA – ou até nos transformar em répteis. Parece mentira que, quando era mais necessário ter união e sobriedade, mais faltaram. Infelizmente, nesse caso era verdade.
Turbulência pode seguir
"Certamente 2021 será mais um ano difícil na política. Haverá vacinas, mas as omissões e os boicotes do governo federal devem resultar em um primeiro semestre delicado. O chamado Centro saiu fortalecido das eleições municipais e vai pressionar ainda mais por cargos e recursos. No segundo semestre, sob menos restrições a aglomerações, acredito ser possível um retorno dos protestos de rua."
Paulo Peres, cientista político da UFRGS