Um imbróglio se estabeleceu entre o Ministério da Saúde (MS) e o grupo de pesquisadores que assessora a pasta na elaboração do Plano Nacional de Imunização contra a covid-19. Isso porque a equipe de cientistas afirma não ter sido consultada antes do envio do plano ao Supremo Tribunal Federal (STF), na sexta-feira (11). GZH conversou com Marcelo Gomes, gaúcho que integra esse grupo de trabalho. O cientista, que teve seu nome citado no documento, afirma que há pontos em que a equipe de pesquisadores discorda frontalmente do MS.
Vale destacar que, no sábado (12), os estudiosos divulgaram uma nota conjunta sobre o assunto. Eles relataram que "causou surpresa e estranheza que o documento no qual constam os nomes dos pesquisadores deste grupo técnico não nos foi apresentado anteriormente e não obteve nossa anuência". Em contrapartida, o MS afirmou, por meio de nota, que a "a inclusão dos nomes no documento entregue ao STF foi um imperativo ético de dar os devidos créditos as pessoas e as instituições que contribuíram com as discussões".
Graduado e com doutorado em Física - com foco na modelagem matemática e computacional em epidemiologia - pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Gomes chegou à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em 2012, como bolsista de pós-doutorado. Em 2017, após a realização de processo seletivo, tornou-se, oficialmente, servidor da instituição como pesquisador em saúde pública.
Ele relata que a função do grupo é colaborar na elaboração do plano de vacinação fornecendo informações e indicadores sobre os grupos de risco, bem como na identificação das pessoas mais vulneráveis e expostas ao coronavírus. Ele ressalta o valor técnico da equipe no assessoramento ao MS, mas que, de fato, o poder decisório não lhes foi dado.
Esse tópico, inclusive, foi reafirmado pelo Ministério da Saúde em nota. A pasta assinalou que cabe ao Plano Nacional de Imunização (PNI) "o poder de decisão na consolidação e formalização do Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19, conforme previsto na Portaria nº 28, de 3 de setembro de 2020, que institui a Câmara Técnica Assessora em Imunização e Doenças Transmissíveis".
Contudo, Gomes questiona o motivo de seu nome e de outros pesquisadores apareceram como de elaboradores do plano.
- Nunca nos foi dito que tomaríamos decisões. Contudo, como grupo de assessores técnicos, era de se esperar que nossas proposições fossem levadas em consideração. Ficamos surpresos ao ver a versão final do plano (de vacinação) e os nossos nomes como elaboradores da ação se nem demos vista naquele material antes do seu envio ao STF. Isso nos deixou desnorteados e sem saber, afinal de contas, qual nosso papel. Se, realmente, somos elaboradores, deveríamos ter visto esse documento. Nem eu nem ninguém do grupo viu aquele plano - diz o pesquisador.
Gomes conta que foram realizadas reuniões com a pasta, mas que a equipe não participou ativamente da redação do que foi levado a público pelo MS:
- Nossos nomes estão atrelados a algo que não elaboramos de fato. Não nos parece justo e correto tomarmos crédito por algo que não foi feito diretamente por nós e do qual discordamos frontalmente em diversos aspectos.
A expectativa é de que, nesta semana (ainda não há definição da data), ocorra uma reunião da pasta com os pesquisadores. O grupo espera que as demandas apontadas por eles sejam incorporadas na nova versão do plano de vacinação.
- Esperamos que a gente possa chegar a um denominador comum e que nossas observações sejam abraçadas pelo Ministérios da Saúde na nova versão do plano de vacinação, que deve ser divulgado na quinta-feira (17). Isso porque os pontos que trazemos são fundamentais para a saúde da população brasileira - pontua.
Entre os pedidos da equipe de cientistas, está a recomendação para que todas as populações vulneráveis sejam incluídas como prioritárias para a vacinação. Isso contempla a inclusão de indígenas, quilombolas, populações ribeirinhas, a população carcerária e pessoas com deficiência.
Além disso, o grupo aconselha a ampliação da imunização para todos os trabalhadores da educação e também a inclusão dos trabalhadores essenciais. Ressaltam, por exemplo, que na Fase 1 todos os profissionais alocados nas unidades básicas de saúde, não somente médicos e enfermeiros, devem ser vacinados. Do ponto de vista dos pesquisadores, o mesmo se aplica às escolas. Além dos professores, funcionários da cantina, da limpeza etc também precisam ser vacinados.
Pontuam ainda que, na fase 4, assim como os servidores e agentes penitenciários são grupo de risco, a população carcerária deve ser encarada da mesma maneira e, portanto, ser imunizada, explica Gomes:
- Temos esse posicionamento, porque todos estão expostos ao mesmo ambiente, todos têm o mesmo nível de exposição por estarem no mesmo local.
O MS, por meio de nota, diz que “sobre a definição e inclusão ou exclusão de populações nos grupos prioritários, bem como a ordem de priorização, esclarecemos que conforme está explícito no plano, os grupos prioritários e fases da vacinação poderão sofrer alterações”.