A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou na manhã desta quarta-feira (11) a retomada dos testes clínicos da CoronaVac, vacina contra a covid-19 desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. Na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), uma das instituições que participam dos estudos no Rio Grande do Sul, as imunizações (ou a aplicação de placebo) foram retomadas na tarde desta quarta, após terem ficado suspensas durante a vigência da decisão da Anvisa. Já em São Paulo, a retomada dos testes deve ocorrer na quinta-feira (12).
Na UFPel, já foram vacinados (ou receberam placebo) cerca de 300 voluntários. A meta é aplicar as doses em 800 profissionais da saúde que atuam no combate à covid-19 na região sul do Estado. Não há uma data prevista para o término dos estudos
Conforme a assessoria de imprensa da instituição, o Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital Escola da UFPel parou a vacinação da CoronaVac por um dia e meio (terça e a manhã desta quarta). "Todos que estavam agendados para estas datas estão sendo reagendados. As vacinações previstas para hoje à tarde ocorreram normalmente. As consultas de acompanhamento seguiram dentro do cronograma e não foram interrompidas", informou a assessoria, por meio de nota.
Outra instituição gaúcha que participa dos testes é o Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS). Conforme o chefe do setor de infectologia do hospital e líder do estudo em Porto Alegre, Fabiano Ramos, será necessário readequar o processo do centro de pesquisa. Para Ramos, a expectativa é de que será possível normalizar a situação até sexta-feira (13) sem que nenhuma dose se perca e "com certa tranquilidade".
O estudo havia sido suspenso na segunda-feira (9) por causa da ocorrência de um evento adverso grave em um dos voluntários. Segundo fontes da pesquisa, o evento foi a morte de um homem de 32 anos, com suicídio como causa provável, e que não teria nenhuma relação com o imunizante.
A Anvisa afirmou que decidiu autorizar a continuidade dos testes após receber novos documentos e informações na terça (10). De acordo com o órgão federal, compõem esse conjunto de dados a informação sobre a causa do evento adverso, um relatório do comitê independente internacional de monitoramento de segurança sobre o caso e o boletim de ocorrência relacionado à provável motivação do evento adverso.
A agência afirma que não tinha nenhuma dessas informações quando decidiu pela suspensão e que, diante da gravidade do caso e da "precariedade dos dados enviados pelo patrocinador naquele momento", julgou que a interrupção seria a medida mais adequada.
A Anvisa recebeu o parecer do comitê internacional por volta de 17h de terça-feira. Técnicos do órgão debateram a análise do comitê internacional até depois das 22h do mesmo dia e retomaram as discussões na manhã desta quarta.
"Após avaliar os novos dados apresentados pelo patrocinador (Butantan) depois da suspensão do estudo, a Anvisa entende que tem subsídios suficientes para permitir a retomada da vacinação e segue acompanhando a investigação do desfecho do caso para que seja definida a possível relação de causalidade entre o evento adverso grave inesperado e a vacina", afirmou a agência, em nota.
Na nota em que anuncia a retomada dos estudos, a Anvisa voltou a afirmar que a suspensão foi uma medida de "caráter exclusivamente técnico", que considerou os dados disponíveis na ocasião e os preceitos científicos e legais que devem nortear as ações da agência, "especialmente o princípio da precaução que prevê a prudência, a cautela decisória quando conhecimento científico não é capaz de afastar a possibilidade de dano".
A suspensão provocou um mal-estar entre a agência federal e o governo de São Paulo, comandado por João Doria (PSDB), adversário político do presidente Jair Bolsonaro. O Instituto Butantan reclamou da postura da agência de decidir pela suspensão sem esperar esclarecimentos adicionais dos pesquisadores e levantou a hipótese de interferência política na agência, principalmente após Bolsonaro comemorar a pausa dos testes, atribuindo, sem nenhuma evidência, "morte, invalidez e anomalias" à vacina chinesa e dizendo que ganhou de Doria "mais uma vez".
Após o embate, a agência afirmou ser "importante esclarecer que uma suspensão não significa necessariamente que o produto sob investigação não tenha qualidade, segurança ou eficácia". De acordo com o órgão federal, a suspensão e retomada de estudos clínicos são eventos comuns em pesquisa clínica e todos os estudos destinados a registro de medicamentos que estão autorizados no país são avaliados previamente pela Anvisa com o objetivo de preservar a segurança para os voluntários do estudo".
"Sentimento de justiça", diz secretário da Saúde de SP
O secretário de Estado da Saúde, Jean Gorinchteyn, afirmou que a decisão já era esperada pelo governo de São Paulo e pelo Instituto Butantã, tendo em vista que as evidências mostravam que o evento adverso não tem relação com a vacina.
Ele disse que a suspensão não abala a confiança que o governo e os pesquisadores da CoronaVac têm na Anvisa, mas destacou que falhas na comunicação do processo podem ter deixado um "impacto psicológico" sobre a vacina.
— É um sentimento de justiça (que fica com a autorização da retomada dos testes). De forma alguma perdemos a confiança na Anvisa, pois ela tem um lastro médico e técnico. A única questão é que entendemos que houve uma falha de comunicação e pode haver um impacto psicológico na sociedade e nos envolvidos nos estudos. Ao tomar uma medida tão drástica, precisa haver comunicação entre as partes — disse o secretário.
Segundo Gorinchteyn, a vacinação de voluntários deve ser retomada já nesta quinta-feira. Os testes da Coronavac estão na fase 3, a última antes da aprovação, e deverão incluir 13 mil voluntários em todo o país. Até agora, cerca de 10 mil já tomaram ao menos uma dose do imunizante.
O diretor do Instituto Butantã, Dimas Covas, classificou a decisão da Anvisa como "uma excelente notícia" e disse que ela vai "ao encontro" com dados apresentados pelo instituto de que a CoronaVac é uma das vacinas mais seguras em desenvolvimento.
— A Anvisa compreendeu nossos argumentos. O óbito referido não tem relação com a vacina e, portanto, o estudo pode ser retomado — declarou Covas, em um vídeo divulgado pela assessoria de imprensa do Butantan.
Ele disse ainda esperar que a continuidade do estudo ocorra o mais rápido possível, pois "um dia com vacina faz diferença".
— Nós precisamos dessa vacina o quanto antes, e por isso a nossa urgência na finalização desse estudo. Então, agradeço à nossa Anvisa pela compreensão e pela rapidez com que foi autorizada a retomada dos estudos clínicos — declarou ele.
O governador João Doria também se manifestou sobre a retomada dos testes. Em suas redes sociais, o tucano ressaltou que "ficou claro" para a Anvisa que o evento adverso grave em um voluntário não estava associado à aplicação do imunizante.