Apesar da expectativa de que o coronavírus perderia força com o fim do inverno, a pandemia no Brasil dá indicativos de piora antes da entrada do verão. Para quatro especialistas entrevistados por GZH, o calor não protegerá os brasileiros: será preciso evitar aglomerações e usar máscara para não elevar as infecções a ponto de emendar uma onda atrás da outra até o próximo inverno.
A princípio, o calor dificulta as infecções porque as pessoas ficam menos encerradas em ambientes fechados e gelados, um cenário perfeito para transmissão. Contudo, aglomerar-se, mesmo ao ar livre, é tão prejudicial que anula o benefício do clima. Essa é uma das lições de lugares como Florianópolis, onde a baixa densidade populacional por conta da geografia esparsa e a abundância de natureza não impediram que, após praias lotarem no feriadão de 2 de novembro, o número de casos de covid-19 disparasse.
— Florianópolis serve como marco do impacto que podemos ter. Mesmo que as pessoas vão para o ar livre, acabam tendo contato com quem não é de seu convívio diário — afirma Alexandre Vargas Schwarzbold, professor de Infectologia na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e presidente da Sociedade Sul-Riograndense de Infectologia.
Ainda que o verão conclame a sair de casa e ir para a rua, bares e restaurantes costumam ser pontos de encontro. Refeições compartilhadas, um cenário típico também da ceia de Natal e de Ano-Novo, são ocasiões com alta chance de transmissão. Com álcool, o autocontrole enfraquece. Alguns países europeus recomendam que, antes da ceia, os familiares combinem de realizar uma quarentena de uma semana para não colocar os mais próximos em risco.
— A lógica seria de que nossa segunda onda começasse na entrada do inverno, por abril ou maio. Teríamos cinco meses nos quais os casos diminuiriam. Mas estamos com uma tendência de aumento. Sabe-se que o fator mais preponderante para infecções é a aglomeração. O grande malefício do verão é propiciar que as pessoas, em férias, façam festas e aglomerações — diz Luciano Goldani, professor de Infectologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e médico no Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Sem ações de controle, o calor não deve conter o avanço da pandemia, apontou um estudo da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, publicado na revista Science. A pesquisa diz que há relação entre clima e disseminação do vírus, mas o impacto é "modesto".
Sabe-se que o fator mais preponderante para infecções é a aglomeração. O grande malefício do verão é propiciar que as pessoas, em férias, façam festas e aglomerações
LUCIANO GOLDANI
Professor de Infectologia da UFRGS
"Nossas descobertas sugerem que, sem medidas de controle eficazes, surtos fortes provavelmente vão ocorrer em climas mais úmidos, e o clima do verão não limitará substancialmente o crescimento da pandemia", afirmaram os pesquisadores, pontuando que a covid-19 só deve se tornar sazonal quando muito mais pessoas forem infectadas.
— Se continuarem as políticas de flexibilização e faltarem testes, a pandemia pode explodir e aparecer uma segunda onda. A pior catástrofe que pode acontecer ao Brasil é ter uma onda sobreposta à outra até uma terceira onda no inverno de 2021, com o sistema de saúde completamente sobrecarregado e as pessoas cansadas de quarentena — alerta o sanitarista e pesquisador Christovam Barcellos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro.
Barcellos observa que o calor é tão forte no Brasil – e, em especial, no Rio Grande do Sul – que motiva as pessoas a se abrigarem em ambientes fechados que simulam o frio, uma condição invernal que, justamente, favorece a transmissão de coronavírus. É um microclima criado artificialmente que eleva os riscos.
— O verão de Porto Alegre tem uso intensivo de ar-condicionado e pessoas se protegendo do calor dentro do shopping. Isso é perigoso. Uma coisa é verão com as pessoas na rua. Outra é as pessoas se protegendo do calor em local fechado — acrescenta o pesquisador da Fiocruz.
O possível aumento da pandemia durante o verão preocupa a prefeitura de Porto Alegre, que já proibiu uma maior flexibilização de atividades. A secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann, chegou a alertar que os gaúchos relaxaram o cumprimento dos protocolos de distanciamento controlado e passaram a se aglomerar mais, sobretudo após o aumento das temperaturas.
— É preocupante a situação. A população tem de se cuidar — disse a secretária à colunista Rosane de Oliveira.
O verão de Porto Alegre tem uso intensivo de ar-condicionado e pessoas se protegendo do calor dentro do shopping. Isso é perigoso. Uma coisa é verão com as pessoas na rua. Outra é as pessoas se protegendo do calor em local fechado
CHRISTOVAM BARCELLOS
Sanitarista e pesquisador da Fiocruz
Na Europa, uma segunda onda de coronavírus ocorreu após as viagens de férias no verão, ainda que com menor letalidade – entre os motivos para o menor número de mortes estão infecções predominando entre jovens e maior aprendizado das equipes de saúde.
No Brasil, dados apontam que a pandemia está piorando. Analistas rechaçam a ideia de segunda onda no Brasil porque o fenômeno é tipicamente europeu: o lockdown impôs uma queda acentuada nas infecções, enquanto que, no Brasil, manter atividades estabilizou a transmissão em patamares altos. Preferem, no lugar, falar de uma piora da primeira onda após a flexibilização de atividades.
O declínio curto da pandemia no Brasil ocorre porque o país não foi capaz de investir em testes, rastreamento e vigilância de casos, avalia Anaclaudia Gastal Fassa, professora de Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e conselheira da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). É preciso testar familiares, amigos e colegas de quem entrou em contato com um caso confirmado, diz.
— Normalmente, pensamos em epidemias com certa sazonalidade, mas algumas medidas podem modificar o padrão. Não acredito que o verão seja capaz de conter a covid. A epidemia teve redução pelas medidas de distanciamento. Quando se flexibilizou, não houve fortalecimento da vigilância epidemiológica para interromper a transmissão de casos. Nosso período de declínio não foi longo porque não tivemos controle da epidemia — diz Anaclaudia.
Médicos aconselham a planejar férias, de preferência, em locais ermos, sem grandes aglomerações. Em muitas cidades, a população duplica durante o veraneio. Para além do risco de infecção, a demanda por tratamento em locais com sistema de saúde mais frágil pode levar à falta de leitos e ao aumento da mortalidade.
— O risco é de colapso. Se tem um aumento enorme da população nesses locais, será preciso deslocar para outros lugares quem adoecer — acrescenta a conselheira da Abrasco.
Essa é uma preocupação dos prefeitos: por meio da Associação dos Municípios do Litoral Norte, os municípios reivindicam um reforço no sistema de saúde proporcional ao aumento sazonal da população. Em resposta, o governo do Estado antecipará a Operação Verão na saúde – a ação deve destinar recursos a prefeituras e hospitais do Litoral.
Cuidados no verão e nas festas de fim de ano indicados pelos médicos ouvidos por GZH
Para as festas de fim de ano
- Divida a família em grupos menores para as festas de fim de ano, de no máximo seis pessoas.
- Combine a ceia em um ambiente aberto, como pátio. Se não houver como, reúna-se na residência mais espaçosa e com mais janelas e correntes de ar.
- Em vez de ar-condicionado, opte por janelas abertas e ventilador.
- Combine com sua família ou amigos de praticar o autoisolamento por sete dias antes do encontro. Todos precisam seguir a combinação – uma pessoa que descumpra pode infectar a todos.
- Não divida talheres, copos e pratos. Não prove a comida na panela com o talher que você acabou de colocar na boca.
Para as férias
- Procure viajar para perto da sua cidade. A transmissão da covid-19 está ligada ao deslocamento das pessoas.
- Viaje apenas com as pessoas de seu núcleo familiar e com quem você convive. Prefira ir de carro do que de ônibus ou avião.
- Se você se unir a outro núcleo familiar, pratique o autoisolamento por sete dias. Todos devem seguir o combinado para não causar um surto.
- Álcool gel funciona menos se as mãos estão oleosas ou sujas. Neste caso, lave com água e sabão.
- Evite praias cheias. A covid-19 é transmitida menos facilmente ao ar livre, mas locais com multidão favorecem a infecção. Mantenha distância nas pessoas na faixa de areia e no mar.
- Use máscaras mesmo ao ar livre.