Neste final de ano, a Europa volta a conviver com um cenário mais preocupante em relação à pandemia de coronavírus. Nas últimas cinco semanas, os casos de covid-19 dobraram e chegaram a 10 milhões na região, de acordo com a agência de notícias Reuters. Como medida para conter esse avanço e evitar a perda de mais vidas, os governantes europeus lançaram mão de políticas que visam o achatamento de nova curva de contágio e controle de uma segunda onda.
Diversos países, como França, Alemanha e a Irlanda, colocaram em prática seus regramentos e orientações mais rígidos para conter a presença de pessoas nas ruas. Outros, como Portugal e Inglaterra, aplicarão as novas políticas ainda esta semana. A reportagem de GZH conversou com gaúchos que moram em Portugal, na Espanha, na França, na Inglaterra e na Irlanda.
França : "Estão respeitando porque estão com medo da multa"
Fadiga de quarentena. Isso é o que Gabriela Sanseverino, 28 anos, doutoranda em Comunicação e moradora há dois anos em Toulouse, na França, afirma perceber nos moradores da cidade.
— Agora, estão respeitando (as medidas de distanciamento e restrição) porque estão com medo da multa (135 euros para aqueles que circulam na rua entre 21h e 6h). Voltou a regra de poder sair somente a um raio de um quilômetro de casa e ter que preencher um formulário a cada saída. Apesar disso, a fiscalização não é intensa por parte da polícia. Eu moro bem no centro da cidade e vejo que tem um movimento muito grande de pessoas e, muitas vezes, grupinhos de pessoas interagindo — observa.
O presidente francês, Emmanuel Macron, decretou endurecimento de regras de distanciamento social em 29 de outubro e estas devem valer até, pelo menos, 1º de dezembro – com revisão a cada 15 dias. Continuam autorizados o funcionamento da maioria das escolas, mas não das universidades. O trabalho remoto é dispensado, caso o empregador considere que ele não possa ser realizado. Estão autorizadas a realização de funerais, os serviços públicos, sair de casa para uma hora diária de exercício, fazer as compras essenciais e ir ao médico. Estabelecimentos de serviços não essenciais tiveram suas portas, novamente, fechadas.
Gabriela revela que não se sente segura no país, porque apesar de o convívio com a doença já ter ultrapassado os oito meses, muitas pessoas não seguem protocolos sanitários mínimos:
— Aqui as pessoas usam a máscara no queixo ou abaixo do nariz. Falta muita noção para coisas básicas, como a etiqueta de tosse e espirro. É horrível. Além disso, muita gente sai para fumar em grupinhos.
Até o momento, a França contabilizou 1.502.763 infectados e 38.289 mortes. O primeiro-ministro do país, Jean Castex, revelou, em coletiva de imprensa, no dia 29 de outubro, que prevê maior número de hospitalizações em novembro. “Mais do que em abril”, ele disse.
Irlanda: "A reabertura, no fim, não passou de um ensaio"
A Irlanda foi o primeiro país europeu a aplicar o segundo confinamento para tentar barrar o coronavírus. As normas permitem a prática de exercícios dentro de um raio de cinco quilômetros da casa do indivíduo; aqueles que ultrapassarem essa distância recebem multa de 750 euros entre outros. Estão isentos deste tipo de punição trabalhadores de áreas essenciais. Além disso, escolas de Ensino Fundamental e Médio continuam em atividade, já aquelas de cursos livres e universidades voltaram a fechar suas portas. O que também voltou a interromper o funcionamento foram os pubs e restaurantes, podendo atender apenas aqueles que oferecerem a possibilidade de delivery.
Mateus Kerr, 32 anos, que trabalha como cuidador de idosos e mora há um ano e meio no país, conta que, apesar de a Irlanda estar no mais alto grau de restrição – nível 5 – o confinamento não é tão rígido quanto o vivido no primeiro semestre do ano:
— Por termos as escolas abertas, há uma movimentação considerável na cidade. Além disso, antes, a nossa permissão de saída era a um raio de dois quilômetros de casa, agora, são cinco. Essas pequenas brechas deixam as pessoas menos presas e fica difícil controlar a movimentação delas.
Esse protocolo tem data de duração de seis semanas. Atualmente, os moradores da Irlanda já estão na terceira semana das regras de confinamento. Ao final desta primeira metade, o governo analisará os dados epidemiológicos do país para decidir se as outras duas semanas serão de restrição ou de afrouxamento das regras. Vale frisar que, a princípio, o nível 5 só expira em 1° de dezembro.
Mesmo reconhecendo que os protocolos sanitários estão arrefecidos, Kerr se diz seguro:
— Quando o governo percebeu que a população, principalmente a jovem, não estava respeitando as regras, eles passaram a aplicar multas pesadas, de até mil euros, com possibilidade de prisão em alguns casos. Aí, a situação melhorou. Mas percebo que a população está frustrada e cansada de tudo, porque a reabertura, no fim, não passou de um ensaio para um futuro que ninguém sabe quando chegará.
Até o final da semana passada, o país tinha 63.048 casos de infecção e 1.922 mortes.
Barcelona: "Quem rompe a quarentena é abordado por policiais"
Gaúcha que há um ano e meio vive de idas e vindas entre Porto Alegre e Barcelona, na Espanha, onde trabalha como desenvolvedora de software, Adriana Höher Dornelles, 31, avalia que nesta segunda onda do coronavírus as pessoas parecem mais preparadas para ajudar a frear o contágio.
— Na primeira onda, não sabíamos nada sobre o vírus, parecia uma bomba biológica. A impressão era de que colocaríamos os pés na rua e voltaríamos infectados. Havia um susto — explica. — Agora entendemos melhor a pandemia, sabemos que o uso de máscara reduz os riscos e que precisamos seguir todas as recomendações do governo para que a ameaça volte a diminuir — completa.
Há quatro semanas, Barcelona voltou a ter o toque de recolher às 23h. Shoppings, instituições de ensino, academias, bares e lojas com mais de 800 m², que haviam sido abertas gradativamente desde agosto, fecharam novamente. As exceções são supermercados, que, mesmo assim, atendem com um terço de capacidade. Quaisquer reuniões, mesmo familiares, estão limitadas a seis pessoas.
— Temos informações bem específicas do governo das regiões autônomas sobre o que pode e o que não pode ser feito. Quem rompe a quarentena, anda sem máscaras ou circula nas ruas entre 23h e 6h sem autorização é abordado por policiais e pode ser multado.
A segunda onda na Espanha tem sido atribuída ao maior fluxo de turistas na Europa durante o verão e também a reuniões de jovens em áreas públicas. Em Barcelona, haviam sido permitidos pequenos grupos sem máscara em locais de grande circulação. De acordo com Adriana, o uso ostensivo desta possibilidade parece ter acelerado o ritmo do contágio.
O ministro da Saúde da Espanha, Salvador Illa, garantiu nesta segunda-feira (2) que não haverá a decretação de um confinamento domiciliar imediato no país, como forma de tentar conter o aumento no número de casos de infecção por coronavírus. De acordo com os dados mais recentes do Ministério da Saúde do país, o acumulado de casos de infecção é de 1.185.678, e o de mortes, 35.878.
Portugal: "Estou com mais medo agora do que antes por motivos financeiros"
Na primeira onda, Portugal entrou em lockdown em 15 de março e permaneceu até 1º de junho. Até agora, são 2.740 mortes e 161.350 casos no país.
— Foram dois meses de absoluto marasmo. As pessoas realmente ficaram em casa, respeitaram o isolamento, teve um sentimento de união muito grande da população em geral — explica Jéssica Ocaña, 29 anos, que trabalha com marketing em Lisboa.
Agora, compara, o país vive como se não pudesse ter um novo lockdown por não ter condições financeiras para sobreviver fechado. Inicialmente, o governo restringiu os horários dos estabelecimentos comerciais e orientou a adoção do teletrabalho. Também está estabelecida uma multa que pode variar de 100 a 500 euros para pessoas sem máscara. Agrupamentos com mais de cinco pessoas estão proibidos.
— De maneira geral, a gente vive normalmente. Nas ruas menos movimentadas, as pessoas não usam máscara, por exemplo. Agora, acho que vai ser complicado emplacar as regras restritivas porque a gente caminha no incerto. Eu, por exemplo, estou com mais medo agora do que antes por motivos financeiros, por não saber se meu atual emprego conseguirá aguentar um segundo lockdown — explica.
Ela afirma que não houve protesto contra as medidas restritivas ainda, mas o medo do desemprego é muito forte.
Inglaterra: "Não se pode visitar um amigo, mas está liberado trabalhar presencialmente"
Após uma primeira onda intensa na Inglaterra, em agosto, as regras para funcionamento de estabelecimentos comerciais e circulação pelas ruas foi relaxada, como menor vigilância a quem andava sem máscara e menos exigência para o uso do acessório nas academias, por exemplo. O governo federal passou a subsidiar a entrada das pessoas nos restaurantes para incentivar o consumo.
— Todo mundo só pagava 50% do valor. Isso gerou filas enormes nos estabelecimentos — conta a tradutora Lucia de Abreu, que faz um doutorado em Coventry, na região central da Inglaterra.
Com a chegada da segunda onda, em outubro foi criado um sistema de níveis para evitar o lockdown. Os fechamentos ocorrem em escala de acordo com indicadores das cidades. Medidas restritivas foram impostas até 2 de dezembro.
A gaúcha diz, no entanto, que falta clareza nas medidas anunciadas, o que ainda gera muitas dúvidas e críticas por parte da sociedade.
— Há algumas contradições. Por exemplo, não se pode visitar um amigo, mas está liberado trabalhar presencialmente. A população questiona isso. Fora que o próprio governo federal contradizia o que a ciência dizia, representantes políticos não usavam máscara entre outros — relata.
A Inglaterra registra 42 mil mortes e mais de 934 mil casos.