— Eu sempre digo pro meu filho: "Teu pai limpa banheiro, limpa leito, mas tu pode sentir orgulho disso, porque eu sinto orgulho do que faço".
A frase acima é de George Alex Vargas Guedes, 46 anos, morador do bairro Cristal, na Capital. Há sete anos, o pai de Pedro, de 14, trabalha no setor de higienização do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Desde o final de março, ele faz parte da equipe responsável por limpar as áreas onde ficam internadas as pessoas contaminadas pelo coronavírus — a instituição é, desde o início do combate à covid-19 no Estado, um dos hospitais de referência no tratamento contra a doença. Atualmente, George trabalha na UTI, onde ficam os pacientes mais graves.
George, assim como os demais trabalhadores ouvidos para esta reportagem, não é médico, enfermeiro ou técnico de enfermagem — profissões geralmente lembradas pela população como "linha de frente" na luta contra o coronavírus. Mas o trabalho deles é fundamental, e faz parte de uma engrenagem que precisa estar azeitada para que tudo dê certo — afinal, com a pandemia, a necessidade de higienização para evitar novas contaminações ficou ainda mais evidente, dentro e fora do ambiente hospitalar.
Desde o início da pandemia, George cumpre turnos de 12 horas no hospital, seguidos de 36 horas de folga. Antes, os turnos eram de seis horas diárias. A mudança serve para aumentar o tempo entre um deslocamento e outro do trabalho para casa e, assim, diminuir as chances de contaminação.
Tensão no ar
A rotina é pesada. Começa às 7h, quando recebe as instruções para seu turno, e segue até as 19h. Antes de entrar efetivamente em seu local de trabalho, George precisa se proteger da contaminação com uma série de equipamentos de proteção individual, os EPIs: além do uniforme, usa luvas, botas, touca, máscara e protetor facial. O processo de "vestir" tudo isso é chamado de paramentação e, para ser eficiente, precisa ser minucioso, com todo o cuidado.
— Depois que eu entro na área da UTI, não posso sair sem antes tirar tudo, fazer a desparamentação. Nos treinamentos que recebemos, sempre nos dizem que essa parte é muito delicada, pois os EPIs podem estar contaminados, então, tem que ser com calma e cuidado. Por isso, geralmente, só saio na hora de fazer intervalo — conta ele.
As tarefas de George, no geral, se dividem em duas categorias: a limpeza concorrente e a limpeza terminal. A primeira é a limpeza geral, diária, quando o paciente está no seu quarto ou leito. A segunda é feita quando o leito é desocupado, seja por alta, transferência ou óbito do paciente.
— Nosso serviço é pesado. E na UTI também tem uma tensão no ar, porque é uma área de risco. Existe risco da hora que eu entro até a hora que eu saio. Ninguém pode se descuidar. Essa precaução é importante para mim e para todos os meus colegas, médicos, enfermeiros, técnicos... — relata George.
"A gente passa a ter atenção a cada detalhe"
Patricia Quadros Gomez, 40 anos, de Gravataí, é higienizadora do Hospital Nossa Senhora da Conceição, na Capital. Há apenas 90 dias na função (antes, era atendente em uma farmácia), ela trabalha em uma unidade de internação da instituição, onde são atendidos pacientes que tiveram teste positivo para o coronavírus. No local, a gravidade do estado de saúde dos doentes pode até ser menor do que em uma UTI. Mas os cuidados, não.
— Antes de entrar na área isolada, troco de uniforme, uso um específico para isso. Lá, a cada vez que entro em um quarto, além de todos os EPIs normais, ainda visto um avental impermeável. Boto antes de entrar, tiro antes de sair. Procuramos entrar só quando não há enfermeiros, técnicos ou médicos no quarto, para dar privacidade e, principalmente, não ter contaminação durante algum procedimento — lista ela.
Além de todos os quartos do setor pelo qual é responsável, Patrícia limpa as chamadas áreas abertas: salas de convivência, vestiários e a área de enfermagem. Depois da sua "ronda", ela ainda pode ser chamada quando acontecem as chamadas intercorrências e seus serviços são necessários entre uma limpeza e outra. O medo da contaminação, segundo ela, até existe. Mas os procedimentos seguidos à risca fazem com que se sinta segura:
— Desde que comecei no hospital, fiquei mais cuidadosa até na minha casa, na minha vida. Com os treinamentos, a gente passa a ter atenção a cada detalhe.
George tem opinião semelhante sobre o receio de se contaminar:
— Conheço o hospital há algum tempo. Sempre me cuidei bem. Agora, ainda mais.
Com a pandemia, mais entrosamento
A sintonia entre as equipes de higienização e as demais não é nova. Mas, na luta contra o coronavírus, mostra-se ainda mais importante. Enfermeira do Hospital Conceição, Giovana Paggiarin conta que o treinamento das equipes de limpeza sobre as técnicas para evitar a contaminação é o mesmo recebido pela equipe de saúde. Ainda segundo ela, o trabalho inevitavelmente aumentou.
— Essa função é extremamente importante. Com a covid-19, a quantidade de resíduo gerado é muito maior do que a usual, por exemplo, por causa da paramentação e desparamentação. A limpeza dos quartos tem que ser mais frequente, e eles são muito solicitados.
A profissional dá um exemplo:
— Um paciente que sai da UTI fica muito debilitado. Coisas simples, que ele faria normalmente, ficam mais difíceis. Uma delas é comer. É comum que eles deixem cair a comida, e isso aumenta a demanda da higienização. Assim como esta situação, tem muitas outras.
Mudanças na maneira de trabalhar
A higienizadora Sandra Martins da Silva, 52 anos, moradora do bairro Vila Jardim, na Capital, começou a trabalhar no Hospital Universitário de Canoas poucas semanas antes dos primeiros casos de covid-19 no Estado. Porém, com uma experiência de quase 10 anos em hospitais, ela percebe as diferenças do momento atual.
— A covid é algo novo para todos, ninguém esperava. A gente precisou fazer um treinamento para aprender bem todos os processos, e seguimos aprendendo sempre. Surgiram coisas novas, que eu não estava acostumada, produtos também — conta ela, que trabalha em uma unidade de internação que recebe casos suspeitos e positivos para a doença.
Já Patricia começou na função há apenas 90 dias, quando a pandemia já estava em andamento. Mesmo assim, também vê mudanças de lá pra cá.
— O lixo, por exemplo, aumentou muito. Até por causa dos equipamentos que usamos para entrar e sair. Além disso, com todos os cuidados que tomamos, o serviço fica mais minucioso.
A enfermeira Giovana Paggiarin destaca, ainda, a dedicação para sempre fazer o melhor pelo paciente.
— Tiro meu chapéu para as equipes de higienização. A pandemia traz dificuldades para nós (profissionais da saúde), mas para eles também. Além de suas funções, eles são sensíveis, percebem quando um paciente está bem, quando está chateado. Quando alguém dá alta, comemoram junto, se emocionam com cada melhora — finaliza.
Orgulho e responsabilidade
Em todas as entrevistas para esta reportagem, volta e meia surgia o sentimento que George, que você conheceu lá no começo, tenta, a cada dia, deixar claro para sua família: o orgulho. A questão, segundo ele, aparece com frequência nas conversas em casa, onde ele vive com o filho e a esposa, a secretária Lucirene.
— Agora (com a pandemia), o serviço de quem trabalha em hospital é mais valorizado. Todo mundo sabe o que acontece lá, aparece em tudo quanto é lugar. Então, está mais visível. E isso chega até nós, da higienização, é claro. Nosso trabalho é muito importante. E os colegas (da área da saúde) nos dão esse retorno, sabem que nosso serviço é quase tão importante como o deles. Isso me deixa muito feliz — relata.
Patricia, do Conceição, concorda com o colega de profissão. Ela conta que costuma fazer suas tarefas com afinco, como se fosse para um membro de sua família. Até porque, em algum momento, pode ser um dos seus nos quartos que ela limpa.
— Nós fazemos parte de uma equipe, e somos reconhecidos. Acredito que, a partir do momento que tu higieniza um ambiente, qualquer profissional pode trabalhar ali. Faço com carinho, dedicação, profissionalismo. Fico satisfeita quando termino. Tenho orgulho de ser higienizadora do Conceição — diz Patricia.
Compromisso
Sandra, do HU de Canoas, enxerga seu trabalho como uma missão em prol da saúde. Por isso, envolve muita responsabilidade.
— Eu encaro a higienização com muito compromisso e, ao mesmo tempo, muito orgulho. Tem um paciente ali, ele está enfermo. Tudo o que fazemos é para a cura dele, apesar de não lidar diretamente com ele. Mas proporcionar um ambiente saudável é proporcionar saúde. Meu trabalho promove saúde — relata.
Aliás, a área da saúde sempre foi um interesse para Sandra. Tanto que, recentemente, ela voltou a estudar, e está na reta final de um curso para ser técnica de Enfermagem:
— Falta apenas uma disciplina, que vou terminar assim que a pandemia acabar. Sempre gostei e pretendo atuar nesta área, tendo contato direto com os pacientes.