Em 2012, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre começou a usar um procedimento que pode ser comparado a um pulmão artificial, já que substitui as funções do órgão: o ECMO, que, na sigla em inglês, significa oxigenação por membrana extracorpórea. À época, no entanto, não se podia prever o cenário de 2020: durante a pandemia do coronavírus, é uma das últimas opções para pacientes com dificuldade para respirar.
Na madrugada desta quinta-feira (13), o hospital estava com seis pacientes em ECMO no centro de tratamento intensivo (CTI). Foi a primeira vez que isso aconteceu: antes disso, o máximo tinham sido de dois internados sob o procedimento ao mesmo tempo, principalmente na época em que a instituição atendeu vítimas do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, em fevereiro de 2013.
Os seis pacientes representam o limite da capacidade de atendimento desse tipo. Há ainda um sétimo equipamento, mas fica reservado para cirurgias cardíacas.
— A gente precisa ter essa opção para oferecer uma chance de vida, porque são pacientes que podem evoluir para óbito. Estamos com seis simultâneos. Se chegar um paciente, a gente não teria possibilidade de oferecer esse tipo de suporte — explica o diretor do centro de ECMO, Mauricio Saueressig, também chefe do Serviço de Cirurgia Torácica e professor da UFRGS.
Os pacientes têm entre 19 e 52 anos e diagnóstico positivo para covid-19. Alguns deles têm sobrepeso, mas nenhuma outra comorbidade. Dificilmente pessoas mais velhas ou com muitos problemas de saúde são submetidas a esse tipo de suporte, já que ele exige muito do corpo.
— Seguimos orientações internacionais, porque são vários critérios para indicar. São aqueles cuja chance de alta e de sobrevivência são maiores. Isso exige muito do corpo e de recursos humanos, então não tem como colocar em todas as pessoas — explica Saueressig.
Até agora, nove pessoas com covid-19 foram atendidas no Clínicas por meio desse procedimento. Além dos seis atualmente internados, duas pessoas tiveram alta e uma faleceu.
Como funciona
O ECMO costuma ser usado em pacientes com a chamada síndrome da angústia respiratória aguda (sara). É usada quando eles estão no limite do ventilador mecânico e, mesmo assim, seguem com dificuldade para respirar.
Na respiração, o corpo humano saudável absorve oxigênio e libera dióxido de carbono. O oxigênio é levado para o sangue por meio do pulmão. No entanto, quando o corpo está muito debilitado, esse processo é dificultado.
— Quando o pulmão fica inflamado, o que ocorre com pacientes com covid, ele fica duro, e é preciso fazer mais pressão. O pulmão duro é ainda mais difícil de encher: quanto mais pressão se dá, mais inflamação a gente provoca, e chega um momento em que não é possível oxigenar em níveis adequados — detalha Saueressig.
Neste momento, o ECMO entra em ação. Em vez de a oxigenação ser feita pelo pulmão, o equipamento passa a fazer praticamente todo o processo. Um tubo colocado na perna puxa o sangue — em uma velocidade de até sete litros por minuto — para a membrana extracorpórea, onde é feita a troca gasosa, retirando o dióxido de carbono e colocando oxigênio. Depois, o sangue oxigenado retorna para o corpo do paciente por meio de uma conexão feita no pescoço.
— Neste momento, o ventilador quase não participa. Reduzo para o mínimo necessário, mas toda a oxigenação vem da máquina — completa o médico.
Enquanto o processo ocorre, o pulmão fica em repouso, se recuperando. Os pacientes costumam ficar de duas a três semanas, e as taxas internacionais apontam 50% de chance de sucesso.
Alto custo
O Clínicas faz o procedimento pelo SUS, mas ele não é pago pelo sistema único. A maior parte da verba vem de projetos de pesquisa, bancados com recursos do próprio governo federal ou outros, inclusive próprios.
O ECMO tem alto custo: cada uso tem um gasto de cerca de R$ 20 mil. A membrana e os tubos, que precisam ser trocados a cada utilização, custam ao menos R$ 15 mil e R$ 3 mil cada, respectivamente.
Além disso, são necessários profissionais especializados para manter a operação.
— São técnicos em enfermagem, enfermeiros, médicos intensivistas e perfusionistas, além de cirurgiões. Atualmente, são no mínimo oito profissionais para os seis pacientes atendidos. E todos eles precisam de treinamento específico — descreve.
Em 2017, o serviço de ECMO foi ampliado no Clínicas devido a um projeto coordenado pelo Hospital Moinhos de Vento — a iniciativa integra o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do SUS, que tem parceria com o Ministério da Saúde. O projeto, chamado de Qualificação de Dispositivos de Assistência Circulatória no SUS (DACs), é custeado com recursos gerados pelo Moinhos, equivalentes à isenção de determinados tributos. A instituição cedeu aparelhos e insumos e capacitou equipes para atuarem com esse tipo de procedimento.
Outros hospitais
O diretor de Atenção Hospitalar da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, João Marcelo Fonseca, reforça que o ECMO se aplica a um número limitado de pacientes e que, por isso, não pode ser utilizado em larga escala na cidade. Como muitos pacientes com covid-19 já têm outras doenças, não são considerados candidatos ao uso.
— É um percentual pequeno que consegue, de fato, ter um benefício real. Tem muitos riscos envolvidos. Como o Clínicas ampliou para 105 o número de leitos de UTI de uso exclusivo da covid, a chance de lá haver pacientes com essa indicação fica maior. É o hospital que mais faz esse tipo de procedimento em Porto Alegre — explica.
Fonseca afirma, no entanto, que a Capital está bem servida de hospitais com experiência no uso de ECMO e que, se necessário, mais pacientes podem ser beneficiados:
— Vários hospitais têm condições de fazer, tanto na rede pública quanto na rede privada. Como exemplos de grandes hospitais, estão o Mãe de Deus e o Moinhos, na rede privada, e o Clínicas e a Santa Casa, pelo SUS. Eles dão conta da demanda que existe na cidade.
O médico Alexandre Ricciardi, 47 anos, teve alta na última segunda-feira (10) depois de 36 dias internado na Santa Casa. Com asma, ele precisou ficar sete dias ligado ao ECMO.
— Comecei com uma falta de ar sem fim. Procurei a Santa Casa e pedi internação nos quartos, e num primeiro momento os colegas não acreditavam, achavam que era ansiedade. Mas não era: estava com falta de ar progressiva, a ponto de não aguentar ficar respirando em uma máscara que fornece oxigênio. Pedi entubação, porque não aguentava mais fazer força para respirar com minha musculatura própria do tórax.
Recuperado, ele agradece a Deus e à equipe médica:
— Pela chance de eu poder experimentar a vida de outra maneira. Tenho de agradecer ao Criador por essa chance de poder ter uma chance de vida de novo, e agradecer aos colegas pela competência com que me trataram.
*Colaborou Tiago Boff