Quase cinco meses após receber a covid-19, o Brasil passa a marca de 100 mil mortos pelo coronavírus neste sábado (8), segundo dados do Ministério da Saúde. Nunca antes, em nosso país, tantas pessoas morreram pelo mesmo motivo em tão pouco tempo.
Em quatro meses, o país vivenciou o equivalente a 413 boates Kiss – que vitimou 242 jovens – ou a 33 atentados das Torres Gêmeas de Nova York, quando morreram quase 3 mil pessoas. Cem mil mortos equivale a varrer do mapa as cidades de Guaíba, Lajeado, Esteio ou Ijuí. Como se morressem, juntos, todos os porto-alegrenses que moram nos bairros Moinhos de Vento, Centro Histórico e Partenon.
Até o momento, 100.477 pessoas morreram sozinhas na cama de um hospital ou em casa. Eram pais e avós que criaram famílias, filhos, profissionais da saúde que salvaram vidas e agentes da segurança que protegiam a sociedade.
Essas mais de 100 mil pessoas partiram sem um merecido velório: nesta pandemia, até os mortos são obrigados a esperar.
Morreram por coronavírus mais pessoas no Brasil do que no Sudeste Asiático, mais gaúchos do que os mortos em Portugal, mais porto-alegrenses do que o total de vítimas da Coreia do Sul ou na Finlândia.
A primeira infecção foi reportada em 26 de fevereiro, e a primeira morte, em 12 de março. Foram necessários cerca de três meses e meio para o Brasil atingir 50 mil vítimas. Uma vez atingida esta marca, em apenas um mês e meio o número dobrou para 100 mil vidas que partiram. Eis uma amostra do que é o crescimento exponencial.
A taxa de reprodução, que mede a velocidade de infecção, está em 1,11, segundo cálculo do grupo Covid Analytics, formado por pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Na prática, cem contaminados infectam outros 111, o que demonstra que a epidemia segue em expansão. Recomendação do Imperial College, de Londres, é de que regiões apenas abram comércios com a taxa estiver abaixo de 1.
Mais de 70% das vítimas eram idosos ou tinham fator de risco. Olhe ao redor: há quase 30 milhões de velhinhos no Brasil e 36 milhões de adultos têm problemas cardíacos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Sociedade de Cardiologia de São Paulo.
Em live na noite de quinta-feira (6), o presidente Jair Bolsonaro, ao lado do ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, lamentou rapidamente as mortes e pediu que os brasileiros sigam com suas vidas.
— A gente lamenta todas as mortes, já está chegando ao número 100 mil. Vamos tocar a vida. Tocar a vida e buscar uma maneira de se safar desse problema — afirmou o presidente.
Sul e Centro-Oeste puxam avanço da doença
Com dimensão continental, o Brasil comporta várias epidemias regionais. Hoje, o coronavírus perde força no Sudeste, Norte e Nordeste, onde colapsou sistemas de saúde em abril e maio, e ganha potência no Sul e Centro-Oeste entre junho, julho e agosto.
— A gente está com essas duas pandemias que acabam se compensando, o que acaba com um crescimento quase linear a nível nacional — analisa Álvaro Krüger Ramos, professor do Departamento de Matemática Pura e Aplicada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Há dois meses, vivemos um mórbido platô com média de 1 mil mortes por dia – como se caíssem três grandes aviões comerciais a cada 24 horas. A estabilidade em patamar tão alto ocorre pelo tamanho do país, diz a estatística Suzi Camey, professora na pós-graduação em Epidemiologia da UFRGS e uma das cientistas que realiza projeções para o Comitê de Análise de Dados do governo do Estado.
— Imagina uma queimada na floresta: você controla um foco de um lado, mas aparece do outro. O Norte deu uma estacionada, mas agora é o Sul. As capitais perderam força, mas agora é o Interior. O Brasil vai viver mais tempo uma situação-limite porque nossa população é muito grande e não vamos fazer o que a China fez (lockdown em massa) — comenta Suzi.
Número de infecções cresce
A média móvel de novos contaminados por dia vem crescendo no país, passando de 38 mil na primeira semana de julho para para 43,1 mil na última semana – há, portanto, um aumento na velocidade das infecções.
Não há, contudo, reflexo no crescimento nas mortes, uma vez que a média de óbitos segue na casa de 1 mil. Entre as hipóteses, está a expansão da testagem – ou seja, aumentou o número de detectados em casos leves, que não chegariam ao hospital.
Localmente, São Paulo parece ter chegado a um alto platô e há debate sobre se Rio de Janeiro enfrenta uma segunda onda. O Rio Grande do Sul não colapsou, mas no dia 4 de agosto, bateu recorde de novas mortes em um único dia – 83.
Enquanto a lotação de Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) gaúchas está em níveis controlados, a 74,9%, o cenário é difícil para Porto Alegre: há semanas, a ocupação gira em torno dos 90% e, em menos de 10 dias, o número total de mortos passou de 300 para 400.
— A gente segurou durante muito tempo a circulação. Pode ter parecido precipitado, mas, no Rio Grande do Sul, isso permitiu aumentar o número de leitos e conscientizar a população. A questão é que as pessoas não aguentam ou não podem mais ficar em casa. Começa a ter um aumento da mobilidade e isso vai fazer o vírus circular mais. Os números mostram que a gente ainda tem muita lenha pra queimar, tem muita gente ainda não infectada e temos mais pessoas circulando — acrescenta a professora de Epidemiologia da UFRGS Suzi Camey.
Em cenário atual, Brasil teria quase 200 mil mortes em dezembro
Em um cenário hipotético no qual a realidade brasileira atual não fosse modificada – nenhuma flexibilização a mais ou a menos, nenhum surto isolado, nenhuma mudança na mobilidade –, o Brasil teria 192 mil mortes em 1º de dezembro, segundo cálculo do Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME) da Universidade de Washington. Deste contingente, 8,7 mil vítimas seriam do Rio Grande do Sul.
Também se fossem mantidas as condições atuais, em 15 de outubro o Brasil teria 4 milhões de casos e 131 mil mortes, segundo o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
Projeções, contudo, não são previsões de futuro, mas análises sobre como a realidade seria caso ninguém tomasse nenhuma decisão, destacam analistas. Não há como abarcar as variáveis de bandeiras que imponham e retirem restrições semanais nem uma repentina cadeia de transmissão em uma cidade. Esse tipo de estudo serve para guiar gestores e autoridades a tomarem decisões.
Para além de Brasil, apenas Estados Unidos registraram mais de 100 mil vítimas nesta pandemia. No mundo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) registra mais de 700 mil mortes.