Em um vídeo institucional produzido pela prefeitura de Canoas, publicado no início de julho, o coordenador da UTI do Hospital Universitário, Diego Miltersteiner, apresenta o funcionamento da unidade que recebe os doentes de covid-19 em estado crítico. Enquanto percorre os leitos do setor, durante a gravação, conversa com uma paciente, que tem o rosto desfocado para preservar sua identidade.
– Está bem, guria? E a falta de ar, como ficou? – pergunta Miltersteiner.
– Está melhorando – responde a mulher.
A paciente era Nair Klein, uma senhora de 74 anos moradora de Farroupilha, município da serra gaúcha. Naquele momento, a idosa, ainda lúcida, tentava recuperar-se do coronavírus sem a necessidade de suporte de um respirador mecânico.
Dias depois, contudo, a saúde de Nair piorou, e ela teve de ser entubada. A idosa morreu em um sábado, 20 de junho, tornando-se mais uma vítima da crise sanitária, que, até a última quinta-feira (6), deixara um rastro de mais de 2,2 mil mortes no Rio Grande do Sul.
– Acho que a morte é a coisa mais difícil do mundo. "Ah, tinha 90 anos, descansou". Não sei. Espero não estar cansado aos 90 anos – disse Miltersteiner, naquele vídeo.
Nair era natural da pequena cidade de Tenente Portela, no norte do Estado. Foi esposa de José Osvaldo Klein, morto por um câncer em 1996, e mãe de sete filhos — cinco mulheres e dois homens. Também teve oito netos e dois bisnetos que, atualmente, enfrentam o luto.
A idosa morou parte de sua vida no Paraguai. Em 1979, mudou-se para o país vizinho na companhia de seus familiares, estabelecendo-se na região de Caguaçu. Trabalhou em pequenas lavouras familiares, situadas em uma área, à época, remota — para embarcar em um ônibus, tinha de percorrer 20 quilômetros a pé.
Acabou retornando ao Brasil em 1994, instalando-se de vez em Farroupilha. Na cidade, dedicou-se às tarefas domésticas e aos cuidados com os netos. Era, segundo uma de suas filhas, Lisiane Klein, uma pessoa muito caseira:
– Para que ela saísse, tínhamos de insistir muito. Ela gostava mesmo de ficar em casa.
Ao longo de suas sete décadas de vida, Nair sofreu dois infartos. Nos últimos anos, tinha de administrar medicamentos para arritmia cardíaca, um dos quadros responsáveis por repercussões negativas em doentes de covid-19.
Lisiane conta que, há meses, a mãe tinha queixas de insuficiência respiratória, sempre atribuída aos problemas no coração. A falta de ar constante agravou-se em um domingo, 31 de maio. No dia seguinte, levou Nair a uma UPA de Farroupilha, de onde a idosa foi encaminhada para o Hospital São Carlos.
A suspeita do médico que fez o primeiro atendimento confirmou-se na noite do dia 3, quando Nair recebeu o resultado positivo para covid-19. Pela ausência de leitos disponíveis no São Carlos, foi transportada, de ambulância, por quase cem quilômetros até o Hospital Universitário, em Canoas. Antes de embarcar, pediu que a família se cuidasse.
Na instituição da Região Metropolitana, Nair teve de ser mantida em isolamento na UTI, respeitando os rígidos protocolos impostos pela pandemia que proíbem parentes de visitarem seus doentes.
– Só consegui dar umas palavrinhas ali, quando colocaram ela na ambulância. Depois, só por chamadas de vídeo — recorda Lisiane. — Todos esses dias, sabíamos que ela estava sofrendo, porque estava lá, sozinha.
Nair passou mais de uma semana na UTI acordada, até que, em 12 de junho, precisou de entubação. Antes disso, sugeriu que Miltersteiner reunisse seus parentes, em vídeo, e suplicou que rezassem pela sua saúde. Morreu oito dias depois.
— No cemitério, só chegaram com o caixão e colocaram na gaveta. Foi só. Não teve velório, nada. Ninguém viu ela. Isso é muito triste isso — diz Lisiane.
Após o diagnóstico da idosa, os Klein fizeram exames para o coronavírus. Sete testaram positivo — quatro filhos de Nair, duas sobrinhas e um sobrinho-neto, de apenas dois anos. Todos estão bem.
— Não temos nem ideia de quem pegou primeiro e passou para o outro. Eu, por exemplo, tive contato com todos e deu negativo — comenta Lisiane. — Mas, agora, pouco importa. Só tenho de agradecer a Deus pela mãe que tive. Tudo, hoje, me lembra ela. É difícil esquecer por um segundo sequer.