Eram adolescentes quando se viram pela primeira vez, na festa de aniversário de um amigo em comum. Foi só três anos depois que começaram um relacionamento que duraria 24 anos. Durante todo esse tempo e mesmo após o filho nascer e completar a maioridade, Pedro Roberto de Mattos Siqueira, 44, tratava Isadora Dutra Siqueira, 42, como namorada.
Nascido em Cruz Alta e morador de Viamão, Pedro expressava devoção por Isadora em gestos do cotidiano, como ao deixar bilhetes na mesa ao sair de manhã cedo. A esposa guarda com afeto a imagem borrada de uma dessas anotações:
"Só pra não esquecer, te amo", diz o papel escrito à mão pelo marido, com um coração e o desenho de um rosto com sorriso.
O amor transparecia também nos meses de maio, quando Pedro presenteava a esposa triplamente: uma lembrança para o aniversário dela, outra para o aniversário de casamento e uma terceira para o dia das mães.
Prestativo, dispunha-se o tempo todo a ajudar Isadora. Trabalhavam duro de segunda a sábado, mas encontravam energia para jantar fora ao menos uma noite por semana.
Pedro adorava churrasco e picanha. Para agradar à esposa e ao filho Pablo, 18 anos, chegava a levá-los para comer sushi, aguardar o fim da refeição e só então passar em outro local para levar um lanche de seu agrado.
Sempre de bem com a vida, ao lado de Isadora Pedro estava disposto a aventuras, saídas e empreitadas. Nunca caíram na rotina do casamento. Uma vez, uma prima chegou a brincar:
— São eternos namorados...
— Graças a Deus! — respondeu Pedro.
Fã de futebol — era gremista —, ele se divertia com as partidas e o samba semanais ao lado dos amigos de décadas. Era o animado, o palhaço, o alegre da turma.
Em um dos grandes presentes típicos de maio, Pedro presentou a esposa, apaixonada por cachorros, com uma shitzu. A pequena Kira acabou por se tornar xodó dele também: quando o casal jantava fora, ao menos um petisco tinha que ser levado para a cadelinha.
Trabalhador, Pedro foi gerente de posto de gasolina, dono de minimercado ao lado da esposa, taxista e motorista de aplicativo. Pouco antes da pandemia, o casal abriu uma pet shop no Centro Histórico, em Porto Alegre. Ele ajudava a administrar o negócio e entregava animais na casa de clientes.
— Para ele não tinha, tempo ruim. Sempre sorridente, estava sempre brincando com alguém. E sempre falou que faria tudo pra mim e pelo nosso filho. Se eu estava doente, ele saía no meio da chuva para pegar o que precisasse. Sempre de bem com a vida — diz Isadora.
Um dia, o empresário foi tomado por cansaço e perda de forme. O médico receitou remédio e repouso, mas a melhora não veio. No ínterim, Isadora também manifestou sintomas semelhantes e, após consultar, internou-se em uma clínica da Capital. No dia seguinte, ela foi enviada em uma ambulância para o Hospital Conceição. O marido, que já começava a apresentar falta de ar, fez companhia a Isadora no veículo.
Na emergência do hospital, enquanto aguardava o atendimento da esposa, Pedro foi aconselhado por um enfermeiro a passar por triagem na ala de suspeitos de coronavírus. Cinco minutos depois, já era atendido na emergência ao lado da esposa.
O casal foi internado separadamente, em quartos privativos, e se comunicava apenas por mensagem. Mas Pedro piorou e foi encaminhado para a unidade de tratamento intensivo (UTI), onde permaneceu por cerca de 10 dias. A última mensagem foi escrita a Isadora antes de ser entubado: "Tô com muitas saudades". "Também tô", escreveu Isadora.
A mensagem seguinte escrita pela esposa — "mas temos que ser fortes" — não chegou a ser lida. Pedro faleceu, vítima de coronavírus, em 17 de junho, dois dias depois de a esposa receber alta. Ele não tinha comorbidades. A cremação foi paga pelos amigos do futebol e do samba.
Pedro permanecerá com afeto na memória e nas lembranças da esposa, Isadora, do filho, Pablo, de tios, tias, primos, familiares e amigos.