A aceleração do contágio por coronavírus, que assola dezenas de cidades do interior do Rio Grande do Sul, tem impulsionado alguns prefeitos a restringir ainda mais a mobilidade de pessoas e a manter somente as atividades essenciais em funcionamento. É o chamado lockdown. A diferença é que a política adotada em território gaúcho tem duração de poucos dias. Começa na sexta-feira e termina no início da segunda-feira. Em função disso, os especialistas ouvidos por GaúchaZH afirmam que, do ponto de vista epidemiológico, essas práticas têm pouco ou nenhum efeito na redução da curva de contágio pelo vírus no Estado.
O lockdown (bloqueio, em inglês) é o mais alto nível de segurança no que tange o afastamento físico entre pessoas porque ele implica a paralisação de uma cidade, Estado ou país, a interrupção de deslocamentos e a manutenção somente de atividades entendidas como essenciais, como a segurança pública, a saúde e a coleta de lixo, explica Mariur Beghetto, doutora em Epidemiologia e professora da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
— São medidas muito restritivas de confinamento. E o Estado pode, até mesmo, fazer uso da polícia e da punição contra aqueles que furarem esse bloqueio. O objetivo desta política é diminuir a circulação de pessoas para que elas fiquem em seus respectivos lares, para que caia a taxa de circulação do vírus e, consequentemente, para que o sistema de saúde ganhe uma sobrevida — ressalta.
Foi justamente por esses motivos que cidades como Pedro Osório, na região Sul, e Alegrete, na Fronteira Oeste, decretaram lockdown entre 24 e 26 de julho. Alegrete, inclusive, repetirá a restrição a partir das 21h30min desta sexta-feira (31), e São José do Norte, no sul do Estado, entrou para o time de municípios que vão adotar o bloqueio neste final de semana, da 0h de sábado (1º) até as 6h de segunda-feira (3).
Contudo, o curto espaço de tempo com queda na circulação de pessoas não é avaliado como uma medida eficaz contra o vírus. Para Luciano Goldani, infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da UFRGS, a decisão nem pode ser considerada um bloqueio:
— Eu não consideraria essas medidas dos municípios um lockdown típico. É uma restrição à circulação nos finais de semana, visto que, durante a semana, o trânsito de pessoas e a abertura de serviços será normalizado. O lockdown, para ter efeito, precisa ser contínuo, não pode ser esse vai e vem. Para o bloqueio ser descontinuado, é preciso que a cidade apresente queda consistente no número de casos de covid-19 e que o sistema de saúde não esteja sobrecarregado — afirma.
Ele reforça ainda que o momento de corte da mobilidade dos indivíduos é também a oportunidade para a cidade investir em educação para que todos se conscientizem da importância do distanciamento social e para que testes e outros insumos ligados ao combate à doença sejam adquiridos.
Medida é paliativa, diz epidemiologista
Paulo Petry, doutor em Epidemiologia, faz coro às afirmações e afirma que a medida não tem efeito a longo prazo:
— É muito paliativa e de efeito muito reduzido por serem somente dois dias. O ideal é o bloqueio de 15 dias, que é o período de incubação da covid-19. Esse é um período bom para enxergarmos um impacto significativo no desafogamento do sistema de saúde, além de atuar fortemente na queda de transmissibilidade do vírus, já que as pessoas estarão em casa.
Mariur destaca que o lockdown, na versão reduzida, tem como objetivo preservar a economia dessas localidades e envolve mais efeito moral do que epidemiológico.
— Ele evita aquelas aglomerações em postos de gasolina, festas clandestinas e pessoas em praças e parques. Mas, sendo usada dessa maneira, a tática pode ser um tiro no pé porque aniquila a força que a política tem. Caso ela precise ser usada em algum momento para diminuir a taxa de transmissão do vírus e para preservar do colapso o sistema de saúde, as pessoas estarão desgastadas e pode ser que não seja aderida pela população e que a gente não alcance os resultados positivos que outros países apresentaram.