Nos últimos dias, a retomada de restrições mais duras à circulação de pessoas e ao funcionamento da economia em Porto Alegre colocou em debate até que ponto é necessário bloquear parques, estacionamentos e fechar lojas em uma cidade que apresenta, por exemplo, cinco vezes menos casos de coronavírus por habitante do que São Paulo.
Os números da pandemia indicam, de fato, que a Capital está em situação mais favorável do que outras metrópoles quando se analisam as taxas de infecção e de óbitos por população. Os gaúchos têm menos infecções por 100 mil habitantes do que as outras três capitais do Sul, além de São Paulo, conforme os dados oficiais do Ministério da Saúde (pode haver defasagem em relação ao divulgado pela prefeitura).
O problema aparece quando se analisam outros indicadores, de acordo com um levantamento realizado por GaúchaZH sobre o impacto do coronavírus e as restrições em vigor em Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis e São Paulo — maior cidade do país e onde se concentram os mais altos números absolutos de doentes e vítimas (veja gráficos abaixo). Embora tenham 229 diagnósticos de covid-19 para 100 mil habitantes, contra 1.163 entre os paulistas, por exemplo, os gaúchos aparecem em situação menos favorável quando se observa o avanço da pandemia nas últimas semanas e o crescimento das internações em UTI.
Nesse conjunto de metrópoles, Porto Alegre aparece com a segunda maior taxa de crescimento de mortes e de casos acumulados na semana entre 1º e 7 de julho, com 42% mais mortes e 31% mais exames positivos.
A situação nas UTIs traz dois cenários distintos: a Capital tinha até a tarde desta quarta-feira (8) a terceira maior ocupação em alas de tratamento intensivo, com 82%, contra 95% em Florianópolis — cidade com a pior situação nesse quesito entre aquelas avaliadas. Mas Porto Alegre registrou o maior crescimento percentual na ocupação de leitos por pessoas com coronavírus nesse mesmo prazo, com um salto de um terço.
Em São Paulo, no sentido oposto, a pandemia dá sinais de enfraquecimento após ter deixado mais de 7 mil vítimas: exibe menores taxas de crescimento de casos e óbitos, taxa de contaminação inferior a 1 (o que indica tendência de retração), além de redução no número de pacientes com covid-19 nas UTIs.
— A evolução de óbitos e internações em UTIs são as melhores ferramentas para monitorar a evolução da pandemia. Não vou entrar no mérito de dizer se as restrições adotadas em Porto Alegre são adequadas ou não, mas o aumento no número de pessoas doentes em UTI é um indicador muito importante para orientar políticas públicas, porque quem precisa de UTI e não consegue, morre — afirma o epidemiologista e consultor do Hospital de Clínicas Jair Ferreira.
Um estudo do Piratini que embasou o plano estadual de distanciamento controlado apurou que o esgotamento dos leitos de alta complexidade na Itália elevou a mortalidade provocada pelo coronavírus em até 10 vezes.
O efeito colateral das restrições é a asfixia dos negócios. Nesta semana, o presidente do Sindilojas Porto Alegre, Paulo Kruse, divulgou um vídeo lamentando o impacto das regras atuais sobre a economia, outro ponto desse debate.
— Embora não concordemos com muitas ações que estão sendo feitas, temos que respeitar. Porém, nós estamos dizendo a vocês: nós vamos fazer tudo para reabrir o comércio no menor tempo possível. Urge que se abra o comércio, ou nossas lojas desaparecerão.
Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, na segunda-feira (6), o prefeito Nelson Marchezan declarou:
— Entendo a angústia de cada um dos trabalhadores e dos empresários que construíram um caminho econômico de independência, mas espero que também entendam que não posso aceitar que tenhamos pessoas falecendo às dezenas ou centenas, como em outros municípios, porque não tinham o mínimo de atendimento na área da saúde.
Porto Alegre e Curitiba apresentam as regras mais rígidas
Quando se comparam as restrições adotadas em Porto Alegre com as das outras capitais analisadas, os gaúchos ficam em uma situação semelhante à de Curitiba com as medidas mais rigorosas em vigor no momento.
Por meio de um decreto estadual publicado em 30 junho e referendado em nível municipal, os curitibanos seguem regras bastante amplas de limitação à circulação de pessoas e ao funcionamento da economia: comércio de rua, shoppings, bares, parques, praças e outros espaços para prática de atividades coletivas fechados, além de restrição no transporte público para uso apenas de profissionais de serviços essenciais (veja comparação completa na tabela a seguir).
As razões matemáticas utilizadas para justificar as ações adotadas em Curitiba são semelhantes às de Porto Alegre: crescimento no número de casos e de mortes, embora ainda em patamar bastante inferior ao de São Paulo quando comparados ao total da população e pressão crescente sobre a rede hospitalar. A taxa de contaminação (quantas pessoas, em média, um doente infecta) estava em 1,86 entre os curitibanos, um pouco à frente do índice de 1,44 entre os porto-alegrenses — taxa acima de 1 indica que a pandemia está se expandindo. Em São Paulo, esse número estava em 0,95 conforme cálculos divulgados pelo Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) referentes à segunda-feira (6).
Mesmo quando o número de casos por 100 mil habitantes não é tão expressivo, a situação nos hospitais já começa a ficar delicada. Em Curitiba, a taxa de ocupação já se aproximava de 90% e, em Florianópolis, uma das cidades com menos restrições à circulação e à economia, havia subido de 91% para 95% entre terça (7) e esta quarta-feira (8). Embora em valores absolutos ainda baixos, os catarinenses também exibem o maior crescimento percentual de mortes em uma semana, com 50% a mais de óbitos.
Do grupo de cidades analisadas, São Paulo é a única que combina limitações menos rigorosas do que as de Porto Alegre com indicadores de retração da pandemia.