O governo federal admitiu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que oito terras indígenas não têm nenhum tipo de barreira sanitária para conter o avanço do coronavírus para índios em isolamento ou contato recente.
A informação oficial foi encaminhada à Corte pelo advogado-geral da União, José Levy, em resposta a determinação do ministro Luiz Roberto Barroso, relator da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) protocolada por entidades e lideranças indígenas questionando as medidas adotadas pelo governo.
No documento, o governo detalha um cronograma de instalação e reconhece que falta a proteção sanitária nos territórios de Alto Rio Negro (AM), Alto Turiaçú (MA), Avá-Canoeiro (GO), Enawanê-Nawê (MT), Juma (AM), Kaxinawa do Rio Humaitá (AC), Mamoadate (AC) e Pirahã (AM).
Quatro meses após o início da pandemia, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde, registrou nesta quarta-feira (29) 15 mil casos de indígenas contaminados e 276 óbitos.
O número, contudo, é contestado por entidades e organizações não-governamentais (ONGs) que atuam na assistência de povos indígenas. Levantamento feito pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) registra 19,7 mil casos e 590 óbitos.
Ao todo, o governo fala em 217 barreiras sanitárias ativas no país por meio de Bases de Proteção Etnoambiental (Bapes) na Amazônia Legal. Das 29 bases, quatro estão desativadas.
Durante as reuniões da sala de situação, criada por determinação de Barroso para a discutir gestão de ações de combate à pandemia, os técnicos da Apib e consultores indicados por entidades questionaram os números apresentados.
Eles afirmam que o governo trata as Bapes como locais para contenção da emergência sanitária. Os pesquisadores explicam que as bases podem ser usadas como de uma barreira física, mas não se confundem com as barreiras sanitárias.
Os técnicos vão solicitar nove itens para que as barreiras físicas passem a ser consideradas também sanitárias. Eles demandam, entre outras coisas, equipamentos de proteção e de higiene para os profissionais que nelas atuam, testagem dos profissionais e demais pessoas que transitam pela área, além de quarentena para quem pretende ingressar.
— A partir dessa confusão conceitual (entre barreira física e sanitária), eles acabam na verdade colocando no plano deles apenas oito terras indígenas (como prioridade), quando, na verdade, o pedido da Apib foi a colocação de barreiras sanitárias em 31 terras que têm a presença de indígenas isolados — afirma o advogado Luiz Henrique Eloy, que representa a entidade.
A Apib alega que nenhuma das outras 23 terras com indígenas isolados apresenta barreira sanitária. Além disso, acrescentam que algumas nem mesmo Bapes possuem, ao contrário do que afirma o governo.
A associação decidiu apresentar, além das suas considerações, um plano próprio para o governo federal, com suas próprias recomendações. Além das críticas ao texto apresentado, os pesquisadores defendem que não seria possível elaborar um único planejamento para todas as terras indígenas, uma vez que cada uma apresenta suas especificidades.
Os pesquisadores também pretendem acrescentar uma lista dos itens necessários para compor uma barreira sanitária. De acordo com eles, o governo não adota protocolos e não fornece equipamentos básicos para o funcionamento das barreiras nestes locais.
— As equipes de campo das frentes de proteção etnoambiental atuando nas bases que existem trabalham com falta de recursos humanos e orçamentários. O plano apresentado pelo governo não traz um detalhamento para suprir essas duas lacunas essenciais — afirmou o indigenista Leonardo Lenin Santos, secretário executivo do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI) e ex-coordenador de Proteção e Localização de Índios Isolados da Funai.
A avaliação feita por entidades está em um parecer prévio que será encaminhado ao ministro Barroso na segunda-feira (3). Os consultores afirmam que, hoje, não há nenhum plano de contingência pronto para acompanhar e monitorar um eventual contato de pessoas contaminadas junto aos 28 povos indígenas isolados.
De acordo com o documento, seriam necessários estruturas como helicópteros e embarcações próximas para o atendimento.
— Estamos falando em situações como a ocorrida na terra indígena Arariboia, no Maranhão, onde um conflito de isolados e Guajajaras poderia resultar em uma situação de contágio. A equipe só foi mandada semanas após o ocorrido e sem nenhum amparo de especialistas de saúde para avaliar se houve ou não contaminação — explicou o indegenista.
Um ponto ignorado pelo governo nos documentos encaminhados ao STF foram os planos para evitar a invasão de garimpeiros, caçadores e madeireiros nessas áreas.
No último dia 8, o presidente Jair Bolsonaro sancionou com vetos projeto que trata de medidas de proteção social para prevenção de contágio e disseminação da covid-19 em territórios indígenas.
Entre os vetos publicados no Diário Oficial da União, está a obrigação de o governo fornecer água potável, higiene e leitos hospitalares e Unidade de Terapia Intensiva (UTI) a indígenas.
Barroso determinou a imediata instalação de barreiras sanitárias para fins de proteção aos povos indígenas isolados ou de recente contato. Pelo menos 18 etnias estão nesses grupos desprotegidos nos estados do Amazonas, Acre, Goiás, Mato Grosso e Maranhão.
A determinação de Barroso fez valer, parcialmente, regras de uma nova lei que haviam sido vetadas por Bolsonaro. Elas previam a elaboração de planos de contingência voltados especificamente para os povos isolados ou de recente contato com a sociedade.
O Ministério da Saúde anunciou em junho que investiu cerca de R$ 70 milhões em ações de proteção aos indígenas para enfrentamento da covid-19.
Procurado, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que coordena a sala de situação, afirmou que os questionamentos seriam respondidos na ADPF. A Funai afirmou que não vai se pronunciar.