Pelo menos dois estudos recentes apontam a presença do coronavírus em esgotos antes de os primeiros casos serem reportados nos países pesquisados. Um dos relatórios foi feito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e aponta a presença do vírus em Florianópolis desde o ano passado.
Ainda não publicado em nenhum jornal científico, o estudo feito por pesquisadores da UFSC, da Universidade de Burgos, na Espanha, e da startup BiomeHub mostra o resultado da análise de amostras do esgoto da capital catarinense desde outubro de 2019. O primeiro registro de sars-cov-2 foi detectado em 27 de novembro de 2019, ainda em níveis baixos.
— Acessamos amostras congeladas do esgoto bruto para investigar o material como ferramenta epidemiológica — explicou Gislaine Fongaro, professora da UFSC, ao site da instituição.
Embora detectado no esgoto antes da pandemia, o primeiro caso no Estado vizinho só foi confirmado no começo de março de 2020. Assim, a pesquisa, publicada em um site de pré-print, concluiu que este é o primeiro registro do vírus nas Américas.
Na mesma linha, um levantamento feito pela Universidade de Barcelona, na Espanha, revelou que amostras de março de 2019 já continham o vírus causador da covid-19. O primeiro caso confirmado da doença no local foi em 25 de fevereiro deste ano. Wuhan, epicentro da pandemia, e a Itália, um dos países europeus mais afetados pelo vírus, também já haviam sinalizado a presença do vírus em esgotos muito antes da explosão de casos. Mas afinal, o que isso significa?
O epidemiologista Tom Jefferson, associado ao Centro de Medicina Baseada em Evidências da Universidade de Oxford, defende que o vírus já circulava por diversos lugares antes de ver o número de casos disparar na Ásia.
— Acredito que o vírus já estava aqui, e aqui, digo, por toda a parte. Podemos estar vendo um vírus que estava inativo e que foi ativado por condições ambientais favoráveis — disse, em entrevista ao jornal The Telegraph.
À publicação, ele menciona um caso ocorrido na parte ocidental de Samoa, ilha no sul do Pacífico, durante a pandemia de gripe espanhola. Conforme Jefferson, 30% da população morreu da doença, mesmo sem ter nenhum contato com o mundo exterior.
— A explicação para isso pode ser apenas que esses agentes não vêm ou vão a lugar nenhum. Eles estão sempre aqui e algo os inflama. Talvez a densidade humana ou condições ambientais, e é isso que devemos procurar — pontua.
O primeiro registro oficial de coronavírus ocorreu na China, em 31 de dezembro. Depois desse registro, milhares de chineses morreram em razão da infecção. Mapa de monitoramento de casos feito pela universidade americana Johns Hopkins mostra o Brasil como o segundo país com maior número de casos confirmados e de mortes no momento, ficando atrás apenas dos Estados Unidos.
Amostras em Porto Alegre
Em esgotos de Porto Alegre e da Região Metropolitana, o coronavírus também foi localizado. Os resultados das primeiras análises indicaram o microrganismo em 20% das amostras coletadas. Não foi observada a presença do vírus em água tratada (potável).
Desde maio, foram investigadas 30 amostras (29 na Capital e uma em Novo Hamburgo) com diferentes origens. A captação se deu em estações de tratamento de esgoto (antes e depois do processo), no Arroio Dilúvio, em efluentes não tratados de quatro hospitais das redes pública e privada e no Guaíba (antes e depois do tratamento da água). Do conjunto total, seis amostras testaram positivo para coronavírus — uma de um hospital e o restante de sistemas de tratamento de esgoto.
Caroline Rigotto, bióloga, doutora em Biotecnologia e professora do mestrado em Virologia da Feevale, é uma das coordenadoras do estudo, ao lado de Aline Campos, chefe da Divisão de Vigilância Ambiental em Saúde do Cevs. A bióloga ressalta que, como investigações anteriores já haviam demonstrado, o cloro é eficaz na inativação do coronavírus — ou seja, como a água distribuída no Estado é clorada, não há risco de alguém beber o líquido direto da torneira e se contaminar, por exemplo.