Um levantamento realizado pela Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre (SMS) indica que, apesar do impacto provocado pelo coronavírus, o número de mortes registradas no município desde o início da pandemia diminuiu 8,8% em comparação com o ano passado.
O trabalho demonstra ainda que a cidade teve a maior queda na mortalidade entre todas as capitais com mais de um milhão de habitantes — além dos gaúchos, apenas Goiânia observou um recuo. Esse resultado é atribuído ao efeito do distanciamento social e da restrição de atividades sobre outras causas de morte, como demais doenças infecciosas e acidentes. Especialistas recomendam cautela ao analisar esse dado e lembram que a pandemia ainda está em expansão no sul do país.
Segundo o trabalho, houve 3.888 mortes entre 16 de março e 13 de junho no ano passado, contra 3.545 no mesmo intervalo deste ano. Uma das razões para a covid-19 não ter um impacto estatístico maior até o momento é que, no fechamento da análise, em 5 de julho, a pandemia havia deixado 118 vítimas na Capital (no começo da noite de quinta-feira, estava em 145) – o equivalente a pouco mais de 3% do montante de mortes. Ou seja, variações moderadas em outras causas de óbito ainda conseguem compensar esse acréscimo.
O titular da SMS, Pablo Stürmer, avalia que a redução pode ser explicada principalmente pelo efeito positivo da quarentena sobre outras doenças contagiosas que costumam se agravar a partir de maio no Estado. Para o secretário municipal, uma evidência disso é a redução significativa na média de uso das emergências hospitalares na Capital nas últimas semanas.
— O normal para esta época do ano era estarmos com ocupação acima da capacidade, ao redor de 140%, com pessoas ocupando macas e poltronas além dos leitos. Mas a taxa está em cerca de 83%. Nas emergências pediátricas, a queda é ainda maior. Todas as vagas ficavam em uso, mas agora estão com 30% — revela Stürmer.
Conforme o painel que monitora as emergências na cidade, às 15h de quinta, a média nos leitos adultos já estava um pouco maior, em 90%. Nas emergências pediátricas, no mesmo horário, 29,6% das vagas estavam em uso. A avaliação é de que o adoecimento teria diminuído mais entre as crianças em razão do recesso escolar prolongado.
A SMS levou em consideração para o levantamento informações dos cartórios de registro civil. Essa base de dados é criticada por alguns especialistas por ser atualizada com rigor variável entre os mais de 7 mil cartórios existentes no país, além do prazo já previsto de até 15 dias para um óbito entrar no sistema informatizado.
Stürmer pondera que o levantamento se estendeu apenas até 13 de junho para reduzir o risco desse tipo de distorção. O secretário aponta ainda que, se houvesse uma demora generalizada nos registros, as demais capitais também teriam apresentado queda, mas tiveram aumentos significativos na comparação – que chegaram a 117% nos casos de Manaus e Belém, por exemplo.
Especialistas dizem que recuo deve ser visto com cautela
Especialistas em infectologia e epidemiologia recomendam prudência ao avaliar a queda na mortalidade demonstrada pelo estudo da Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre. Um dos pontos a ser levados em consideração, segundo o epidemiologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Petry, é que a pandemia ainda está em ascensão em Porto Alegre:
— Até agora, o número de óbitos, do ponto de vista estatístico, não é tão alto na Capital. Por isso, outros fatores realmente podem compensar esse acréscimo. Mas ainda estamos em curva ascendente da doença. A pandemia não acabou.
Em outras capitais, como São Paulo, o número de novas contaminações e internações por covid em UTIs já apresenta tendência de queda, por exemplo. O infectologista do Hospital Conceição André Luiz Machado da Silva afirma que seria importante também fazer uma análise mais detalhada de cada causa de óbito para se ter um cenário mais preciso sobre a evolução da mortalidade na Capital.
O especialista do Conceição observa ainda que uma redução nas mortes em um primeiro momento, por consequência da quarentena, pode dar lugar a uma elevação logo a seguir, também devido às restrições à circulação geradas pela pandemia. Silva lembra que muitas pessoas podem estar deixando de procurar os hospitais, mesmo quando deveriam, também como um efeito colateral da pandemia.
— Em um momento posterior, podemos ter aumento de mortes por menos diagnósticos e maior dificuldade de acesso a consultas, cirurgias e outros procedimentos envolvendo sobretudo doenças cardiovasculares ou neoplásicas (câncer). É preciso cuidado para não termos uma falsa impressão de queda na mortalidade, que em seguida poderá ser revertida — avalia Silva.
Paulo Petry lembra que é preciso manter todos os cuidados recomendados para evitar a contaminação pelo coronavírus.