Inédita no Rio Grande do Sul, uma pesquisa realizada a partir de uma parceria entre a Universidade Feevale e o Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs) está mapeando a circulação do coronavírus nos esgotos de Porto Alegre e da Região Metropolitana. Os resultados das primeiras análises indicaram o microrganismo em 20% das amostras coletadas. Não foi observada a presença do vírus em água tratada (potável).
Os pesquisadores já esperavam encontrar o sars-cov-2 no esgoto. O objetivo do estudo, intitulado Plano de Monitoramento de Covid-19 no Ambiente, é levantar dados que possam auxiliar gestores na tomada de decisões relacionadas ao combate à pandemia.
Desde maio, foram investigadas 30 amostras (29 na Capital e uma em Novo Hamburgo) com diferentes origens. A captação se deu em estações de tratamento de esgoto (antes e depois do processo), no Arroio Dilúvio, em efluentes não tratados de quatro hospitais das redes pública e privada e no Guaíba (antes e depois do tratamento da água). Do conjunto total, seis amostras (20%) testaram positivo para coronavírus — uma de um hospital e o restante de sistemas de tratamento de esgoto.
Caroline Rigotto, bióloga, doutora em Biotecnologia e professora do mestrado em Virologia da Feevale, é uma das coordenadoras do estudo, ao lado de Aline Campos, chefe da Divisão de Vigilância Ambiental em Saúde do Cevs. A bióloga ressalta que, como investigações anteriores já haviam demonstrado, o cloro é eficaz na inativação do coronavírus — ou seja, como a água distribuída no Estado é clorada, não há risco de alguém beber o líquido direto da torneira e se contaminar, por exemplo.
O grupo também já sabia que o sars-cov-2 é eliminado nas fezes de pessoas infectadas, com ou sem sintomas, e que esse excremento é potencialmente contaminante, o que coloca cuidadores de bebês, deficientes e idosos em situação vulnerável. Em um país onde o déficit em saneamento básico ainda preocupa, esta deve ser uma questão de extrema relevância para os governantes, segundo Caroline, que estuda a presença, no ambiente, de vírus relacionados a doenças causadoras de diarreia.
Ainda na primeira fase do levantamento, os pesquisadores levam o material para avaliação no Laboratório de Microbiologia Molecular da Feevale e, na sequência, encaminham as amostras positivas para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), responsável por responder se há potencial de infecção.
Membros do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e epidemiologistas devem traçar um modelo adequado para relacionar os achados e o número de pessoas infectadas. No futuro, essa ferramenta poderá contribuir com mais dados para a determinação das medidas restritivas e as bandeiras do modelo de distanciamento controlado, adotado pelo governo estadual.
— Queremos antecipar a circulação do vírus em uma determinada região. Se essas pessoas estão eliminando o vírus (pelas fezes) e tivermos ideia da quantidade de carga viral, poderemos ter uma estimativa populacional de quantas pessoas estão infectadas. Isso é epidemiologia baseada em esgoto. A ideia é se antecipar: mostrar, por exemplo, que uma região ou bairro da cidade com poucas notificações de pacientes positivos pode ter o vírus já circulando lá. É uma proposta — explica Caroline.
Apesar do medo que esses resultados podem despertar, a professora destaca ainda não ser possível afirmar se a presença de coronavírus no esgoto representa uma ameaça à população.
— O que sabemos é que há perigo com o coronavírus nas fezes. Ainda não sabemos quanto tempo ele fica vivo no esgoto. A rota de transmissão fecal-oral ainda não está estabelecida, mas pretendemos chegar a essa resposta — relata a bióloga.
A ideia é reproduzir o estudo em outras cidades do Rio Grande do Sul.