Enquanto o Brasil enterra centenas de mortos por coronavírus todos os dias, um município do Rio Grande do Sul ostenta uma marca inédita na pandemia: até o fim da tarde desta quarta-feira (17), Pelotas, no sul do Estado, se mantém como o único centro urbano do país com mais de 200 mil habitantes sem nenhum registro de óbito por covid-19.
Com classificação de risco baixa no modelo de distanciamento controlado (bandeira amarela), a cidade vem conseguindo conter a disseminação da doença. Tem apenas quatro pacientes internados em razão da enfermidade, sendo dois deles em UTI. Isso significa menos de 10% de ocupação das vagas de terapia intensiva.
Conforme dados da Secretaria Estadual da Saúde, às 17h desta quarta-feira havia 169 casos confirmados no município (a maioria já se recuperou e 45 seguiam em isolamento domiciliar, além dos quatro hospitalizados), o equivalente a 49,4 infectados a cada 100 mil habitantes. Na Capital, a taxa era de 108,6 e, em Santa Maria, de 156,7.
— Se a cidade com o melhor programa de pós-graduação em epidemiologia do Brasil e que coordena a maior pesquisa sobre a prevalência do vírus no país tivesse dados ruins, seria péssimo. Para nós, a situação é motivo de orgulho, ainda que tudo possa mudar a qualquer descuido — diz o epidemiologista Pedro Hallal, reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Basta uma caminhada pelo prédio histórico do Mercado Central, ao longo do calçadão ou na Praça Coronel Pedro Osório para perceber que quase tudo está funcionando, mas com restrições. O comércio organiza filas e limita a entrada de consumidores, máscaras são exigidas em todos os lugares, o acesso ao mercado inclui a aplicação obrigatória de álcool gel e há fitas de isolamento em parte dos bancos e das mesas da praça central para desestimular aglomerações. Embora nem todos obedeçam às regras, o controle tem dado resultado.
— Até as noites estão mais silenciosas. Parece que estamos morando para fora (na zona rural) — relata a aposentada Elza Neves Martinato, 73 anos.
No Café Aquários, um dos mais antigos e tradicionais da região, as mudanças são visíveis. Depois de 30 dias fechado, o estabelecimento reduziu a quantidade de mesas e o tamanho da equipe, limitou o horário de atividade, reforçou a higienização e passou a coibir a entrada de fregueses com o rosto descoberto. O bate-papo no balcão, corriqueiro até pouco tempo, tornou-se mais contido.
— Aqui sempre foi um ponto de conversas, mas, com o coronavírus, as coisas não são mais as mesmas. A gente pede para as pessoas tomarem o café e seguirem adiante. Boa parte do nosso público é de gente mais idosa. Alguns não vemos desde março por causa do isolamento — conta Lidia Silveira, 50 anos, uma das gerentes da casa.
Na entrada da cidade, o Centro de Atendimento a Síndromes Gripais, conhecido como Centro Covid, também registra movimento moderado, para alívio de médicos e enfermeiros. Desde que foi criado, em 24 de abril, até a última sexta-feira (12), o local atendeu 329 pacientes com sintomas respiratórios, uma média de 7,6 por dia. A maioria não tinha o vírus.
— Por enquanto, está tranquilo. Temos aproveitado esse momento para fazer treinamentos com a equipe, para que todos estejam prontos, se for necessário. E a gente espera que não seja — ressalta a enfermeira Jaqueline Aparecida Fresingheli, responsável técnica pela unidade.
Alerta para não baixar a guarda
A relativa calmaria não significa relaxar nos cuidados. Tanto a prefeita Paula Mascarenhas quanto a secretária municipal da Saúde, Roberta Paganini, alertam para o perigo de baixar a guarda, especialmente no momento em que as enfermidades típicas do inverno começam a se fazer notar com mais intensidade.
— Os dados indicam que a covid-19 não está avançando com tanta gravidade aqui, o que é bom, mas não podemos nos descuidar. Cada um precisa fazer o seu papel. Usar máscara, lavar as mãos e cumprir os protocolos é fundamental — adverte Paula.
Nesta quinta-feira (18), GaúchaZH publicará uma nova reportagem sobre o tema explicando os motivos que levaram Pelotas a ser a única, entre 154 municípios brasileiros, a não ter vidas perdidas para o coronavírus.