O Brasil passou a ser um dos laboratórios mundiais para a testagem de uma vacina contra a covid-19. Os estudos iniciaram em parceria entre a Universidade de Oxford, da Inglaterra, e o laboratório farmacêutico AstraZeneca, companhia de origem sueco-britânica. Após pesquisas preliminares com animais e pequenos grupos populacionais na Inglaterra, haverá testes em duas mil pessoas no Brasil com o objetivo de apontar se o antídoto é eficaz. Em entrevista a GaúchaZH, Gustavo Mendes, gerente-geral de medicamentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que autorizou a pesquisa no país, conta detalhes sobre como serão feitas as amostragens e as expectativas para os resultados, esperados para o segundo semestre de 2020.
Confira a entrevista
Quando começam os testes? Qual será o público testado?
O início dos testes depende de uma organização logística da empresa e da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (Conep), do Ministério da Saúde. Não saberia dizer precisamente a data, mas, da nossa parte, já existe a autorização para iniciar. Serão duas mil pessoas testadas. Eles vão priorizar profissionais de saúde. Esse não é estudo em que vão deliberadamente infectar as pessoas para ver se a vacina funciona. A ideia é buscar pessoas que têm maior risco de exposição.
Detalhes ainda estão em discussão com a empresa, a AstraZeneca, que é uma indústria farmacêutica. Ela já tem vários medicamentos registrados no Brasil e fez essa parceria com a Universidade de Oxford para a pesquisa, decidindo trazer para o Brasil. Eles é que acabam discutindo essas questões de protocolo, mas a ideia é selecionar pessoas com mais risco de contaminação. A AstraZeneca tem medicamentos de várias linhas registrados no Brasil. Mais recentemente, registramos medicamentos deles para câncer e tipos raros de câncer. Mas eles têm várias linhas, incluindo problemas respiratórios e sistema nervoso central.
Como serão os testes? A dose da vacina será aplicada uma vez apenas e depois se faz acompanhamento para ver se o antídoto funciona?
Não vai ser um estudo de desafio, como chamados os casos em que deliberadamente se infecta as pessoas. As pessoas vão tomar dose única da vacina e, depois, vão pra sua vida normal. Após um tempo, elas são avaliadas para ver se produziram ou não os anticorpos para a covid-19. Essa vacina é feita de vírus vivo. Você adiciona no vírus uma parte da proteína do vírus da covid-19. Essa proteína tem a capacidade de gerar anticorpo. É isso que torna a pessoa imune. Pegamos o vírus com a proteína, inoculamos na pessoa e deixamos se replicar.
Sobre a dose única, ainda vai ser estudado se é suficiente. Em princípio, se testará em dose única. As vacinas que têm segundas e terceiras doses apresentam tendência de ter menor adesão das pessoas. O ideal, por isso, é ter dose única, pensando já numa eventual aplicação em massa. Não adianta descobrir um medicamento que, depois, as pessoas não conseguem usar. Sempre se tenta iniciar pelo o que seria o mais fácil.
Nas pesquisas, quais poderão ser os indicativos de sucesso?
Se criar o anticorpo, é um indicativo de sucesso. É uma doença nova, não sabemos quanto de anticorpo é necessário. Ao final do período, vai ser analisado se aconteceu a criação de anticorpos, se eles foram suficientes para eliminar a capacidade de transmissão e se a pessoa que foi vacinada não desenvolveu a doença. Uma coisa é ter o vírus, outra é ter o vírus e desenvolver a doença. A gente sabe que, na covid-19, 80% dos contaminados não desenvolvem a doença, são assintomáticos.
Em quais aspectos técnicos e biológicos se baseia a vacina?
Essa fração da proteína é o que a gente viu preliminarmente que teve capacidade de gerar anticorpo em animais testados até agora (macacos). E já fizeram alguns estudos na chamada fase 2, com população menor de humanos lá na Inglaterra. Aqui será a fase 3 da pesquisa, é a última fase, que significa testar em número suficiente para se ter o cálculo estatístico adequado de eficácia e de segurança. Para decidir se é eficaz, precisa da estatística.
Esse estudo é controlado e randomizado, padrão ouro de estudo clínico. Vai ser comparada a vacina nova versus o que a gente chama de placebo, que é uma vacina sem relação nenhuma com a covid-19. Uma parte dos recrutados vai tomar a vacina nova e outra parte vai tomar a vacina placebo, que não tem nada a ver. No final, se fazem os cálculos comparativos para ver se o grupo que tomou vacina nova teve maior criação de anticorpos e redução dos casos de desenvolvimento da doença.
Ao participar da testagem, o Brasil recebe alguma prioridade de recebimento de cargas de vacinas caso sua eficácia seja comprovada?
O Brasil fazer parte desse braço representa primeiramente um reconhecimento global de que o país tem condições de fazer o estudo e tem estrutura adequada de investigação clínica, condizente com normas internacionais. Outro aspecto é que, quando tem autorização da Anvisa no estudo, a agência passa a monitorar os dados de maneira muito próxima. Lá na frente, quando for concluído, e se a empresa submeter o pedido de registro da vacina, caso os resultados forem bons, já teremos os dados, e uma análise mais célere para aprovar o produto pode ser feita. Sobre aquisição de vacinas, não posso falar, não é minha atribuição como gerente da Anvisa.
Qual a previsão de conclusão dos testes no Brasil e no mundo e para o anúncio sobre a eficácia da vacina?
A gente acredita que no segundo semestre de 2020 já se tenha isso, mas não dá para dar data exata.