Leves socos no ar demonstravam a felicidade da dona de casa Jucilaine Guilherme da Silva, 36 anos, ao receber alta após duas semanas de internação por coronavírus. Enquanto percorria em uma cadeira de rodas o corredor de profissionais da saúde que a saudaram com palmas no terceiro andar do Hospital Conceição, em Porto Alegre, ela agradecia. Por detrás da máscara, sorriu.
— Hoje vou para casa curada. É uma glória. Vou pisar em casa e agradecer a Deus por ver meus filhos e meu neto. Obrigada, senhor, eu venci — afirmou a GaúchaZH.
Moradora de Capão da Canoa, no Litoral Norte, Jucilaine faz parte do grupo de risco para covid-19: é cardíaca e tem problemas de imunidade em decorrência do lúpus. Vive em uma casa com o marido, dois filhos, o neto de um ano e a nora.
O coronavírus começou com uma dor na garganta, mas a doença interagiu com o lúpus. A dona de casa viu o corpo perder forças e a garganta fechar a ponto de ser incapaz de ingerir alimentos. Por duas vezes, ela buscou atendimento em um hospital em Capão da Canoa, mas, sem febre, foi mandada de volta para casa.
A família isolou-a em um quarto, mas o quadro piorou: feridas começaram a surgir na boca e a voz esvair-se, como em um sopro. Na terceira ida ao hospital, Jucilaine foi internada por 24 horas. Preocupado, o marido, o serralheiro Enito Antunes, 42 anos, ligou para o médico do Hospital Conceição responsável por tratar o lúpus da dona de casa. A recomendação foi ir a Porto Alegre o mais rápido possível.
Durante a viagem, Enito dirigiu de máscara e luvas, e Jucilaine, fraca, padecia no banco de trás, de máscara e sem fala. Ao chegarem ao hospital, a despedida foi silenciosa.
— Eu te amo muito, vai dar tudo certo. Tua vida está em casa — disse Enito à esposa.
Incapaz de articular palavras, Jucilaine encarou o marido nos olhos, assentiu com a cabeça e chorou. Às pressas, foi examinada, encaminhada para uma sessão de hemodiálise e, a seguir, para o quarto onde passaria as próximas semanas em isolamento. Fez dois testes para coronavírus – o primeiro deu negativo e o segundo, positivo.
— Eu pensei: tenho coronavírus, lúpus e rim falhando. Vou morrer — conta a moradora de Capão da Canoa.
Jucilaine ainda enfrentou uma tristeza comum a pacientes com coronavírus: a proibição da visita de familiares. Sem televisão, o tempo passava com cochilos ou mexendo no celular. A perda de voz não ameaçou a comunicação com a família – a saudade era aliviada por mensagens de texto.
— Foi horrível, horrível. Eu sou uma pessoa falante, achei que ia ficar muda. Quando vi que minha voz começou a sair um pouco, já agradeci. Aí começamos com chamadas de vídeo — conta.
Nas visitas, profissionais usavam aventais, máscaras, luvas e proteção no rosto. Todo o tratamento foi gratuito, via Sistema Único de Saúde (SUS). Ao longo dos dias, Jucilaine recobrou forças e fala. Na tarde desta sexta-feira, foi liberada para voltar a Capão da Canoa e ficar com a família.
O reencontro com o marido pareceu ser contido: por recomendação médica, os dois não podiam se abraçar nem beijar. Mas a alegria era externada no olhar e nas palavras.
— Do jeito que eu trouxe ela, achei que não ia sair. Ela estava muito fraca. Tu não tens noção da minha felicidade. Ela é o nosso alicerce — afirmou o marido.
Jucilaine deverá cumprir mais sete dias de isolamento domiciliar. Ao menos, estará próxima à família.
O Brasil é o 11º país com mais casos de coronavírus no mundo, com 53 mil infectados e 3,6 mil vítimas fatais. Médicos afirmam que, sem testes o suficiente para a população, o número de brasileiros com o vírus é muito maior.