Diante do isolamento imposto a pacientes internados com coronavírus, hospitais de ponta têm adotado videochamadas com familiares por meio de smartphones, tablets e até robôs para diminuir a angústia do afastamento.
Em muitas instituições, porém, ainda prevalece a falta de comunicação. Há relatos dramáticos de famílias que perdem totalmente o contato com o doente na internação. Nem sequer conseguem se despedir de quem está com risco grande de morte.
No Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, o uso de telemedicina começou nesta semana. Na segunda (30), a editora de livros Janine, 37, conversou com o marido Guilherme, 37, que estava internado na UTI com covid-19. A filha Elisa, 4 anos, também participou do bate-papo.
– No início, tive medo que a imagem do pai na UTI, cheio de eletrodos e usando máscara, pudesse assustá-las. Mas foi reconfortante para ela ver que o pai está vivo, se recuperando bem – conta.
Na quinta (20), Guilherme teve alta da UTI e seguia internado no quarto. Mãe e filha estão isoladas em casa.
A comunicação entre a família ocorreu por meio de um carrinho de telemedicina, que tem câmera e tela acopladas e chega até a beira do leito na UTI. O hospital envia um link de videoconferência à família para a conexão.
– O que as pessoas mais têm medo é que familiares ou elas próprias peguem a doença, sejam levados para a UTI e morram. Ver o familiar, mesmo que à distância, conhecer a equipe que está cuidando dele, faz muita diferença, dá mais segurança – diz Daiana Barbosa, coordenadora da enfermagem do Hospital Moinhos de Vento.
Segundo ela, muitas vezes as famílias não querem informações apenas sobre o quadro clínico do doente na UTI.
– Elas querem saber se ele tem dor, se sente frio, como se alimenta, como é o banho.
O médico Felipe Cabral, coordenador médico de saúde digital do Moinhos de Vento, explica que a ferramenta também tem possibilitado que o médico assistente veja o seu paciente, já que ele, assim como os familiares, está impedido de entrar na UTI por risco de contágio.
O hospital já tinha expertise no uso da telemedicina em UTIs de adultos. Desde 2018, faz avaliações de pacientes críticos internados em hospitais de Palmas (TO), Sobral (CE) e Rio de Janeiro.
– Pensamos: por que não transportar essa experiência para dentro das unidades de covid? Com esse modelo, a gente consegue a segurança com a limpeza do aparelho conforme as regras da comissão de infecção hospitalar.
O Hospital das Clínicas de São Paulo está envolvendo os setores de humanização, de cuidados paliativos e de inovação para testar o uso de robôs de telepresença e de tablets para o contato.
Por meio de parcerias, o hospital conseguiu três robôs emprestados e há uma campanha em curso para a obtenção de tablets. A ideia é que o paciente na UTI receba a visita do robô e por meio dele possa se comunicar com a família.
– Essa é uma doença cruel, ela afasta as pessoas. No momento de mais necessidade, você não pode receber conforto físico, não pode estar junto de quem você ama – diz a médica Lilian Arai, diretora da Hackmed, organização que busca inovações em saúde e que tem feito a ponte entre o HC e empresas que ajudem em soluções tecnológicas.
Os hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês, de São Paulo, estudam implantar visitas virtuais na UTI para pacientes de covid-19, mas a prioridade atual é a emissão de um boletim diário sobre o quadro clínico de doentes críticos e o que é esperado para as próximas horas.
– O que os familiares querem é informação. A queixa que a gente mais teve até agora foi: "o meu familiar está aí e a gente não tem notícia". Se alguém disser "eu quero ver como ele está", a gente está preparado para fazer visita virtual – diz Ana Merzel Kernkraut, coordenadora do serviço de psicologia do Einstein.
Segundo ela, o hospital também está estudando novas formas de comunicar a família em caso de morte do paciente. O Einstein colocou à disposição de familiares e pacientes o serviço de psicologia virtual. O Sírio-Libanês avalia alternativas de possibilitar visitas virtuais na UTI mediadas por uma psicóloga, inclusive com o uso de robôs, mas isso ainda está sendo estudado pelos setor jurídico do hospital.
Para os pacientes menos críticos, é permitido o uso de celulares. O hospital também fornece tablets, caso o doente prefira. A cada uso, o aparelho passa por desinfecção.
– A gente tem visto pacientes ficarem dentro da UTI por mais de dez dias. Essa permanência prolongada gera muita angústia não só para os familiares como também para os médicos e equipes assistenciais – diz Felipe Duarte Silva, coordenador de práticas médicas do Sírio.
Segundo o geriatra Douglas Crispim, médico do núcleo de cuidados paliativos do HC, a comunicação é um elemento essencial durante a internação do paciente com covid-19.
– Neste momento, vemos milhares de pessoas internada que perdem totalmente as relações com o externo.
Ele e um grupo de especialistas em comunicação em saúde criaram um protocolo para essa situação que pode ser aplicado em todos os níveis de instituições, inclusive em hospitais de campanha.
– Com um celular e um tablet, respeitando as normas de paramentação, você consegue montar times de comunicação dentro dos hospitais, consegue fazer com que o paciente receba visitas de forma virtual, independentemente se ele está morrendo ou não.
A ideia é que os hospitais usem profissionais que não estejam na linha de frente dos atendimentos, como psicólogos e terapeutas ocupacionais. Eles agendariam previamente a visita virtual com a família e passariam nos leitos de pacientes que ainda conseguem falar.
Já os pacientes em ventilação mecânica, sedados, poderiam receber outros estímulos.
– As famílias mandariam mensagens de viva voz diariamente, músicas.
Para ele, é urgente que também se olhe para esses pacientes que estão ficando dias sem falar com os familiares e, alguns, morrendo absolutamente sozinhos.
– É isolamento compulsório e ponto final.
Na semana passada, várias pessoas se queixavam sobre falta de informação de parentes internados com suspeita de covid-19 nos hospitais municipais Tide Setúbal e Cidade Tiradentes, ambos na zona leste.
Depois de internar seu irmão Franz, 29, no dia 23, com febre e dificuldade de respirar, Marisol só teve notícias dele no final da noite de quinta (26), quando o hospital avisou sobre sua morte.
– Não o vimos mais, nem pudemos dizer adeus – contou. Procurada, a Secretaria Municipal da Saúde não se pronunciou sobre o caso.
No dia em Franz morreu, foi o início do drama do aposentado Antonio Rodrigues de Lima, 70. Ele sentiu falta de ar e foi levado para o hospital Santa Marcelina, onde morreu no sábado com suspeita em covid-19.
– Ninguém mais conseguiu falar com ele. Pensamos que era infarto. É muito duro morrer sozinho, sem ter alguém da família por perto, ser enterrado sem velório – disse o irmão Luiz Rodrigue de Lima.
Em nota, o hospital disse que sem as informações completas do paciente, não poderia apurar a situação. Além do nome e da data de morte fornecidos pela reportagem, a instituição alegou que era necessário data de nascimento e nome da mãe.
– O hospital tem se esforçado para adequar sua missão humanizada nesse momento singular da saúde – informou.