Dono de um sorriso cativante, piadista inveterado, era impossível deixar de notar Henrique dos Santos Castro em qualquer grupo dos quais participava, recordam os familiares. Com uma vantagem adicional: de violão em punho, virava um bardo, descrevem, saudosos.
Henrique, como era conhecido pelos amigos, faleceu em 13 de abril, em Porto Alegre, vítima da covid-19. Tinha 71 anos de idade. Na semana em que começaram os sintomas, febre leve e indisposição, ele ainda deu vazão ao hobby predileto: tocar guitarra nos fundos da casa.
Apaixonado por música, era bom nisso. Queria ser cantor. Quando jovem, nos bares, exercitava os dotes. Depois, a vida o conduziu para outros rumos. Formou-se em Direito, exerceu advocacia por um breve período e, ainda jovem, fez concurso para o Tribunal Regional do Trabalho (TRT), onde atuou até se aposentar como analista judiciário.
Henrique era natural de São Luís (MA). Nasceu lá porque o pai, fiscal da Receita Federal, vivia migrando pelo país em transferências de serviço. Aos 21 anos, Henrique veio para Passo Fundo, quando conheceu sua esposa Ledy, que era funcionária do TRT, como ele. Viveram 49 anos juntos, tiveram quatro filhos. Viviam atualmente na Zona Sul da Capital, numa casa confortável. Henrique era adepto da Biodanza, prática terapêutica através da dança, na qual iniciou também o filho mais novo, Allan.
Ledy conta que foi quando retornaram de viagem ao Rio de Janeiro, em 13 de março, que Henrique manifestou um frio fora de época. Acharam que era pelo ar-condicionado do avião e das salas de espera no aeroporto. No dia seguinte, ele acordou com febre indisposto.
— Achou que era gripe, nem pensamos em coronavírus, porque não tinha outros sintomas —recorda Ledy.
Por três dias ele tomou antigripais. Aí teve febre. Em uma quinta-feira, quase uma semana após retornar de viagem, acordou indisposto, mas ainda tocou guitarra. Na sexta-feira sentiu falta de ar pela primeira vez. Foi até um posto de saúde, onde foi colocado num respirador. Pelo sintoma, foi transferido imediatamente para o Hospital de Clínicas.
Henrique foi logo para uma UTI, onde recebeu antibióticos, porque manifestava sintomas compatíveis com pneumonia. Mesmo sedado, ainda telefonou para familiares.
— Recuperando muito bem. Tô bem legal — falou.
Foi então intubado e não conseguiu mais se comunicar. Foram 22 dias sem falar, recorda Ledy. Ela diz que o tratamento hospitalar no Clínicas foi exemplar, com psicólogos ligando todo dia aos familiares.
Henrique teve uma septicemia, que comprometeu seus órgãos. Faleceu um mês após retornar de viagem. O sepultamento foi de ataúde fechado.
Ledy acredita que não foi por falta de cuidados que Henrique pegou coronavírus, nem por sedentarismo. Apesar de ter quadro eventual de diabetes, Henrique se exercitava em academia, caminhava, não bebia e nem fumava.
—A gente sempre se cuidou. Eu, inclusive, tinha mais problemas de saúde que ele, tenho stents no coração. Acho que o vírus escolhe a pessoa que quer — pondera Ledy.
Ledy e a filha Aline, que mora com ela, também testaram positivo para covid-19, mas sem manifestar qualquer sintoma. Estão livre de transmissão.
Henrique deixou as filhas Aline, Caroline, Carmen e o caçula, Allan, que é poeta. Ele fez homenagem no Facebook, no qual descreve o pai:
“Meu pai tinha um sonho. Queria ser cantor, queria cantar, queria tanta coisa...Quando abriu os olhos, o tempo passou. Passa rápido. Aí ele me disse: ‘sonha, meu filho. Mas sonha acordado. Para quando olhar no espelho, não enxergar o passado. Mas canta, canta...que tudo que você fez já serviu para me mostrar como se faz’. Já entendi que o tempo não volta, nem olhando para trás. Canta, pai...mesmo aí no teu canto, a sós. Porque foi te ouvindo que encontrei minha voz”.