A primeira profissional de saúde que morreu por coronavírus no Estado trabalhava na linha de frente de combate à doença. A técnica de enfermagem Mara Rúbia Silva Cáceres, 44 anos, era funcionária do Hospital Conceição, em Porto Alegre e, segundo familiares, ajudava na triagem de pacientes com sintomas da covid-19.
Mesmo com histórico de problemas respiratórios – ela tinha asma, embora a última crise tenha ocorrido há mais de 10 anos –, Mara continuava trabalhando diariamente, ajudando no primeiro atendimento no hospital. Conforme o marido, Juan Cáceres, 48 anos, o medo não se fazia presente na rotina dela:
- Ela não tinha medo de se expor. Era muito corajosa, não via obstáculos. Tenho muito orgulho dela. Além de gostar muito do que fazia, ela se sentia no dever de não botar atestado – conta o torneiro mecânico, casado com Mara há 21 anos.
A história de Mara com a profissão é antiga, desde antes do casamento dos dois. Mas a profissional precisou percorrer aos poucos o caminho que desejava.
- Ela estava há vários anos no Conceição. Trabalhou em vários setores até chegar na emergência, e foi passando em concursos diferentes, sempre para melhorar. Na emergência, estava há dois anos - disse.
Homenageio todos que estão nesta luta. Foi ela que se foi, mas isso está recém começando. Tem que ter muito cuidado.
JUAN CÁCERES
marido da técnica de enfermagem
O casal chegou a morar na Restinga, na zona Sul da Capital, nos primeiros anos de união, mas construiu a vida em Alvorada, na Região Metropolitana. Eles não têm filhos – apenas Juan tem uma única filha, que mora em outra cidade – e viviam uma relação de parceria:
- Era uma pessoa tranquila, calma. Não fazia loucura. Era meu alicerce. Não tem ninguém que não goste dela.
A filha de Juan, Bruna, 21, tinha Mara como uma segunda mãe. Apesar de morar em outra cidade, tinha uma relação próxima com os dois:
- Ela me tinha como filha, eu sentia nos olhos dela. Ela morreu fazendo o que amava. Eu tenho um orgulho enorme da pessoa que ela era: dedicada, amorosa. Foi uma segunda mãe para mim. Vai ser difícil viver sem ela.
Entre os colegas de trabalho, Mara também era conhecida como alguém alegre, de grande coração e apaixonada pelo que fazia. O amigo Renato da Rosa Cardoso, 31 anos, também técnico de enfermagem, conhecia a colega há mais de cinco anos:
- Como ela passou por diferentes setores do hospital, inclusive trabalhando de ascensorista e nos serviços gerais, era querida por colegas de várias áreas. Estava sempre disponível para trocar plantões e para ajudar. A Mara também tinha dotes culinários e, com frequência, trazia coisas boas para a gente. Sentiremos saudade desta amiga que amava o que fazia – relembra.
Sintomas e internação
Conforme o marido, Mara começou a se sentir mal no dia 29 de março, um domingo, quando os dois foram buscar a refeição do meio-dia em um restaurante. Com dor no corpo e febre baixa, ela se consultou na emergência do Hospital Conceição, mas foi orientada a voltar para casa.
Na madrugada do dia 31, o marido a levou novamente à instituição, onde ela foi internada. Na madrugada seguinte, Mara foi encaminhada para a UTI, onde permaneceu por uma semana.
- Foi traumatizante, porque não deixavam visitar. Eu achava que a qualquer hora iam me ligar pedindo para levar ela embora. Parece que é um pesadelo do qual vou acordar – lamenta Juan.
- Homenageio todos os que estão nesta luta. Foi ela que se foi, mas isto está recém começando. Tem que ter muito cuidado – acrescenta.
O sepultamento ocorrerá na tarde desta quarta-feira (8) em Alvorada. Por orientação das autoridades, não haverá velório, e familiares farão apenas uma oração antes do enterro.
- A impressão é de que estão tendo mais cuidado com ela depois de morta. Eu não vou poder vê-la, o corpo precisa ser levado direto. A última imagem que tenho é dela sentadinha na porta da emergência, na rua, esperando para entrar.
A Secretaria Estadual de Saúde informou que o resultado positivo para coronavírus saiu no mesmo dia em que as amostras chegaram ao Laboratório Central do Estado (Lacen), na quinta-feira (2) passada. A assessoria de imprensa informou que não poderia fornecer outros detalhes sobre o quadro da paciente porque o hospital pertence à esfera federal.
A reportagem de GaúchaZH questionou o Grupo Hospitalar Conceição sobre a evolução da doença na profissional e o motivo de ela trabalhar diretamente no atendimento, considerando que tinha histórico de problemas respiratórios. A assessoria de imprensa divulgou nota em que diz que Mara utilizava os equipamentos de proteção individual e que "obteve o atendimento preconizado nos protocolos internos, baseados em determinações do Ministério da Saúde".
Confira, na íntegra, a nota do Grupo Hospitalar Conceição
"O Grupo Hospitalar Conceição – GHC, referência no atendimento da COVID-19, sabendo do seu papel relevante no enfrentamento desta nova doença, vem desde janeiro deste ano, desenvolvendo um Plano de Contingência, treinando equipes, realizando adaptações de processos internos de trabalho, afastando empregados, renovando o quadro de pessoal e adquirindo insumos, tudo isso para dar condições ao atendimento dos pacientes com segurança de nossos empregados.
A nossa empregada Mara Rúbia Silva Cáceres foi admitida no GHC em 2014, trabalhando ultimamente como técnica de enfermagem, na emergência do Hospital Nossa Senhora da Conceição.
Importante ressaltar que a empregada desenvolvia suas atividades em local de atendimento geral, utilizando todos os EPI´s recomendados.
O GHC se reserva, em respeito à família enlutada e por adotar uma postura ética, apenas informar que a empregada obteve o atendimento preconizado nos protocolos internos, baseados em determinações do Ministério da Saúde, para pacientes com sintomas que se apresentaram".
Ouça a entrevista de Juan Cáceres à Rádio Gaúcha