Durante seis anos, o pescador aposentado Jalmar Aírton Boeira Cardoso, 73 anos, conviveu com arritmia cardíaca. No final de fevereiro, a doença dava sinais de que se agravara. Jalmar procurou a Unidade de Pronto Atendimento, em Cidreira, no Litoral Norte, onde morava. A pressão arterial estava acima do normal. Ele se desequilibrava ao caminhar.
Foi necessário levá-lo para o hospital de Tramandaí para investigar melhor. Havia suspeita de um acidente vascular cerebral (AVC), lembra o filho de Jalmar, o condutor de ambulância Felipe da Costa Cardoso, 44 anos.
Segundo ele, foram 10 dias de espera pelo resultado de uma tomografia. O exame mostrou uma mancha na região da nuca.
– Ficamos aliviados porque não era metástase. Poderia ser um tumor benigno e teria tratamento – acrescenta.
A recomendação era de transferir o aposentado para Porto Alegre, mas não haveria vaga. Felipe diz que foi preciso uma ação judicial para o pai ser internado no Hospital Cristo Redentor (HCR).
Dois dias depois, conforme Felipe, Jalmar teve de ser removido para o Hospital Nossa Senhora da Conceição com diagnóstico de AVC. O filho conta que o pai entrou na emergência do Conceição e em seguida deu entrada na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), com quadro de infecção generalizada.
Jalmar se recuperou, foi para um leito clínico, mas retornou à UTI na semana seguinte com complicações no fígado e insuficiência renal. Em 6 de abril, um teste para covid-19 deu negativo. No entanto, 48 horas depois, um novo exame confirmou a presença do coronavírus.
Meu pai foi um grande exemplo para nós. Viveu sempre feliz, uma alegria que contagiava a todos que estavam ao seu redor.
FELIPE DA COSTA CARDOSO
filho de Jalmar
Familiares de Jalmar que tiveram contato com ele também se submeteram a testes com resultado negativo, cumpriram quarentena e voltaram à vida normal. Mas o exame de Felipe teve resultado positivo, ele teve de se afastar do trabalho e cumprir isolamento em casa.
– Eu visitava ele com luvas e máscara, me cuidava bastante. Posso ter sido infectado durante meu trabalho. Estou bem. Meu irmão também visitava o pai e o teste dele deu negativo.
Dali em diante, Jalmar seguiu sem apresentar melhora e morreu na manhã de 15 de abril. O atestado de óbito apontou como causa da morte insuficiência renal aguda, septicemia, pneumonia bacteriana, sequelas de acidente vascular cerebral isquêmico, cirrose hepática e infecção por coronavírus. Ao lado consta tipo de morte natural.
Felipe acredita que Jalmar se contaminou em um dos hospitais da Capital e não aceita atribuir exclusivamente à covid-19 o motivo da morte.
– Ele já estava doente. Por que falar apenas em coronavírus? Entrou no hospital com suspeita de AVC.
Condutor de ambulância há 10 anos, Felipe se acostumou a socorrer pessoas em estado grave, e depois as encontrava recuperadas.
– Tenho conhecimento na área, e é frustante quando acontece o pior. A gente sempre espera o melhor.
Conhecido como Tabatinga, Jalmar tinha prazer pela pesca e seguia na atividade enquanto teve forças. Foi sepultado no cemitério de Capivari do Sul, em caixão lacrado e sem velório.
– Meu pai foi um grande exemplo para nós. Viveu sempre feliz, uma alegria que contagiava a todos que estavam ao seu redor. A pedido de vizinhos, saía de casa com seu violão a cantar e compor versos –orgulha-se Felipe.
Jalmar deixou viúva, dois filhos e cinco netos.