As comemorações de Ano-Novo serão menos alegres para a família Bechara Kalil, de Bagé. O Dia Mundial da Paz celebrado internacionalmente era também o do aniversário de Georgete Richa Bechara Kalil, primeira vítima do coronavírus no Estado.
Nascida há 90 anos no Líbano, no Oriente Médio, Georgete era cidadã do mundo. Quando jovem, estudou moda em Paris, se especializando em alta-costura. Desistiu da carreira de estilista e voltou para a cidade de Brumana ao se apaixonar pelo conterrâneo Toufic Youssef Bechara Kalil.
Casaram-se. Queriam nova vida, e em 1960, o casal desembarcou de navio vindo de Beirute no Porto de Rio Grande. O destino: Bagé, onde Felipe, irmão mais velho de Toufic, já vivia havia 25 anos.
Com ajuda do primogênito, Toufic se tornou dono de loja de roupas e, mais tarde, de imóveis na cidade. Nos primeiros dias, Georgete se sentia desconfortável. Bagé era muito diferente de Paris. Pensou em ir embora, mas aceitou ficar mais um pouco ao ouvir uma proposta do cunhado:
– Meu pai disse a ela para esperar seis meses. Se não se adaptasse, pagaria uma passagem de volta para ela – lembra o empresário Luis Francisco Kalil, sobrinho de Georgete.
Ela conquistou amigos. O tempo passou e acabou ficando. Dona de casa de mão cheia, colecionava elogios pela sua habilidade na cozinha com especiarias e temperos da culinária árabe.
– Preparava os quibes e doces com água de flor de laranjeira mais gostosos que comi até hoje – afirma o jornalista Gilmar de Quadros.
Ele foi vizinho de prédio de Georgete durante anos e costumava subir até a cobertura dela após o almoço para saborear o café da tarde e bater papo com a amiga:
– Tínhamos carinho especial um pelo outro. Era uma pessoa do bem, muito culta, encantadora e sofisticada – lembra Quadros.
– Era sempre uma boa conversa, astral positivo – acrescenta o sobrinho Luís Francisco, que costumava recebê-la em sua loja com cafezinho.
Georgete foi mãe três vezes, do gestor cultural Emílio, da professora universitária Gladis e do economista Rogét. Eles deixaram Bagé para ganhar a vida, mas a mãe seguiu na cidade.
Após ficar viúva, Georgete se mudou para Porto Alegre, há cerca de cinco anos. Ficou mais perto da filha e em um local mais fácil para viajar a São Paulo, onde participava de encontros com a comunidade libanesa.
Ao apresentar sintomas da covid-19, Georgete foi internada no Hospital Moinhos de Vento, na Capital, onde permaneceu internada por sete dias. Ela morreu em 24 de março. Foi o primeiro óbito no Estado.