Referência para mais de 40 municípios das regiões Central e Fronteira Oeste, o Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) — ligado à Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) — deixa de receber, anualmente, R$ 3,6 milhões. O dinheiro seria destinado ao pronto-socorro, caso a unidade já tivesse sido habilitada pelo Ministério da Saúde como serviço de urgência e emergência.
A falta desse recurso coloca em risco a manutenção do setor e, consequentemente, o atendimento à população. Além desse problema, o Husm também espera, há três anos, pela assinatura de contrato com o governo do Estado que estabelecerá quantos e quais atendimentos deve prestar, incluindo os valores que receberá.
O que pode parecer uma formalização burocrática, a habilitação de urgência e emergência junto ao ministério garante um aporte de recursos ao hospital para medicamentos, manutenção de despesas para o atendimento à população. O serviço que enfrenta maior dificuldade é o pronto-socorro – porta de entrada de 80% dos atendimentos, com quadros sucessivos de superlotação.
Com capacidade para comportar 24 leitos, a unidade tem, em média, mais do que o dobro de pacientes acomodados de forma improvisada em macas. Recentemente, chegou a ter mais de 70 pacientes pelos corredores.
A instituição destaca que presta atendimento no pronto-socorro sem receber conforme a tabela do Sistema Único de Saúde (SUS). Ou seja: ganha apenas por serviços prestados como pronto-atendimento. Com isso, deixa de ganhar R$ 3,6 milhões ao ano, conforme levantamento feito pela instituição a pedido de GaúchaZH. O valor é referente a, aproximadamente, R$ 300 mil mensais:
— Não podemos seguir prestando serviços de urgência e de emergência sem sermos habilitados e recebermos esses R$ 300 mil por mês que são determinados para esse serviço, conforme a tabela SUS. Isso impacta de modo muito negativo porque pela porta de entrada em uma emergência não sabemos o que vai chegar. E para sustentar o pronto-socorro, precisamos deixar de fazer coisas para as quais estávamos programados. Porque tudo que entra como emergência passa na frente de outros procedimentos —, declarou a gerente de Atenção à Saúde do Husm, Soeli Guerra.
Um dos requisitos para solicitar a habilitação é a elaboração de plano que especifique o fluxo de atendimentos entre os hospitais de toda a Região Centro-Oeste do Estado. Sobre isso, por meio de nota, o Ministério da Saúde disse que recebeu Plano de Ação da Macrorregião Centro-Oeste somente em maio de 2018, quando foram solicitadas “correções e adequações” para a “emissão do parecer favorável”. Conforme o ministério, o documento foi reencaminhado em julho deste ano e "os documentos estão em análise para verificação das correções e adequações para emissão de parecer em relação à urgência e emergência.
Mesmo com o questionamento de prazo feito pela reportagem, no texto, o ministério não informa data para emitir o parecer sobre a habilitação solicitada.
Além desse problema, o Husm encara outra falta de formalização que impacta no planejamento e na organização dos atendimentos. Há três anos, o hospital aguarda por um contrato dos serviços prestados junto ao governo do Estado. A assinatura assegura quantos e quais atendimentos a instituição deve prestar, incluindo os valores que receberá.
Desde que o contrato do Husm com o Estado foi encerrado, em julho de 2016, o assunto foi tema de inúmeras reuniões e audiências sem resultado prático. Recentemente, o Comitê Regional de Saúde passou discutir o problema. Uma reunião na semana passada entre representantes do Husm, Estado e da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) — que administra o Universitário — tratou dos detalhes. Por nota, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) afirmou que o “Estado apresentou a proposta de contrato à direção do HUSM e Ebserh”. O texto diz ainda que “foram ajustados pontos da proposta de contrato” que foi repassada a instituição para análise.
A diretora do Husm, Elaine Resener, acrescenta que o hospital se comprometeu em enviar as últimas informações necessárias nesta segunda-feira (22) e, a partir disso, ficará a cargo da Secretaria Estadual de Saúde os ajustes finais do documento:
Não podemos seguir prestando serviços de urgência e de emergência sem sermos habilitados e recebermos esses R$ 300 mil por mês que são determinados para esse serviço, conforme a tabela SUS.
SOELI GUERRA
Gerente de Atenção à Saúde do Husm, Soeli Guerra
— O Pronto-Socorro é um local em que o paciente entra e não temos noção do quanto ele vai custar. Tanto o PS quanto o centro-obstétrico (que atende gestante de alto risco), são muito caros. O Estado em virtude de uma deliberação da Comissão Intergestores Bipartite (CIB) definiu que os incentivos dessas áreas não seriam repassados aos hospitais federais, que essa seria uma responsabilidade do Ministério da Saúde. Então estamos na expectativa que isso se cumpra.
Na nota enviada pela SES, não é informada uma data para que ocorra a assinatura do contrato, embora o questionamento tenha sido feito pela reportagem.
Há uma semana, Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público Estadual (MPE) e Comitê Regional de Saúde emitiram um documento direcionado a SES, Ebserh e Husm, em que “tornam cientes” os gestores sobre o excesso de demanda existente no Universitário. Conforme a procuradora da República, Bruna Pfaffenzeller, a intenção é que esses dados sejam levados em consideração na formalização e posterior assinatura do contrato. Até mesmo para que a demanda já existente no Universitário não seja subestimada, como relata:
— Há necessidade da contratualização fidedigna, não levando em consideração somente os custos, mas sim os atendimentos já prestados pela instituição e a demanda existente.
Superlotação que é permanente
Outro desafio é organizar o acesso de pacientes à instituição, tarefa que não depende somente da gestão do Universitário. Ano após ano, o Husm vive a superlotação em diferentes unidades como o próprio pronto-socorro e também no Centro Obstétrico e UTI Neonatal. Em todo o 2018, o hospital esteve com setores da maternidade superlotados mais de 30 vezes. Já nestes primeiros seis meses de 2019, a instituição afirma que nessas áreas a superlotação é permanente.
— A rede não funciona. Municípios têm médicos, mas não contam com estrutura. O problema da superlotação passa essencialmente pela organização da rede de atenção básica dos municípios. Quando tivermos isso organizado com responsabilidade e resolutividade teremos minimizado mais de 50% dessa superlotação de atendimento — projeta Soeli.
Além disso, o hospital também tem longas filas de espera para cirurgia, principalmente em traumato-ortopedia, com mais de mil pessoas. Idealizado para ser reforço à saúde pública, o Hospital Regional de Santa Maria, inaugurado há um ano, faria frente ao problema. Mas até agora, oferece apenas ambulatório (com o anúncio de mais um ser aberto no próximo mês). Ainda não há previsão da abertura de leitos, o que reduziria a demanda de instituições como o Universitário.
Acompanhamento do Ministério Público
O Ministério Público Federal acompanha a situação há, pelo menos, três anos. De acordo com a procuradora da República, há sete procedimentos abertos para atuar em frentes como a contratualização do Husm, a regulação do acesso à saúde na Região Central e ainda o funcionamento na totalidade do Regional.
— Os problemas que chegavam a nós eram referentes às superlotações do pronto-socorro, às filas de espera para traumato-ortopedia, e ainda a superlotação do centro obstétrico. Aí foi preciso dissecar isso. Levamos quase três anos ouvindo todos os interlocutores da saúde na região para entender o que se passava. Assim definimos que precisávamos atuar em três frentes: contratualização, regulação e abertura integral do Hospital Regional.
Sobre a regulação do acesso à saúde na região, Bruna é enfática ao afirmar que há uma “falha gravíssima” nesta questão:
Se conseguirmos ter atendimento ambulatorial de cardiologia no Regional, reduzirá o número de internações, já que alguns tratamentos podem ser feitos por medicação. Então, qualquer avanço que o Regional apresente é importante para desonerar o Universitário.
BRUNA PFAFFENZELLER
Procuradora da República
— A regulação de acesso é basicamente o fluxo entre a oferta e a demanda. Aqui, o sistema vigente é o Sisreg que hoje só permite a 4ª Coordenadoria Regional de Saúde controlar as primeiras consultas. Dentro disso, eles encaminham o paciente, mas depois disso eles (4ª CRS) não têm mais nenhum controle.
Ela destaca que já há tratativas acompanhadas, inclusive pelo Ministério Público Estadual (MPE), para implementar outros dois sistemas já utilizados na Capital e que possibilitariam o acompanhamento das consultas e possíveis cirurgias que o paciente do SUS fez na região.
Hospital que custou R$ 70 milhões
No outro extremo da cidade, no bairro Parque Pinheiro Machado, está o Hospital Regional de Santa Maria. O complexo de 20 mil m², inaugurado em 2018, custou R$ 70 milhões, mas oferece, até o momento, apenas um ambulatório.
— No ambulatório, eles atendem, identificam o problema e mandam para o Husm resolver ou fazer o procedimento. Aí, não precisa ter ambulatório especializado, aumenta ainda mais a nossa demanda. É só tirar alguém de uma fila e colocar em outra — declarou a gerente de Atenção à Saúde do Husm.
De acordo com o Instituto de Cardiologia — que faz a gestão do Hospital Regional —, desde a abertura até o fim de junho deste ano, o hospital atendeu 4.265 pacientes e realizou 35.104 consultas em 12 especialidades. Além do ambulatório em funcionamento, foi anunciada, neste mês, pela Secretária Estadual de Saúde, Arita Bergmann, a abertura de mais um para atendimento cardiológico a partir de 1° de agosto. A abertura de leitos segue sem prazo e sem sinalização.
Sobre o Regional oferecer somente serviço ambulatorial, a procuradora Bruna Pfaffenzeller destaca que, mesmo não sendo “o ideal”, contribui para reduzir a demanda.
— Se conseguirmos ter atendimento ambulatorial de cardiologia no Regional, reduzirá o número de internações, já que alguns tratamentos podem ser feitos por medicação. Então, qualquer avanço que o Regional apresente é importante para desonerar o Universitário. Talvez não seja o ideal, mas é o possível. Nosso maior empenho é buscar aproximação entre Hospital Regional e o Hospital Universitário para que atuem de forma integrada.
Hospital Universitário de Santa Maria
Referência para mais de 40 municípios das Regiões Central e Fronteira-Oeste
- 403 leitos
Média de atendimento por mês em 2018:
- 1.453 internações
- 618 cirurgias
- 222 partos
- 25.475 consultas