Miguel Gonçalves Mendes tornou-se um nome conhecido dos cinéfilos com José e Pilar (2010), filme que documentou dois anos da vida do escritor José Saramago e de sua esposa, Pilar del Río, e que concorreu ao Oscar. Depois daquele projeto, lançou-se ao ambicioso O Sentido da Vida, uma produção de 1,5 milhão de euros em que trabalha desde o início da década, com 2 mil horas filmadas em diferentes continentes. Falta apenas a finalização – e 300 mil euros, que o diretor busca angariar por meio de crowdfunding (interessados em ajudar podem buscar informações no site osentidodavida.com).
Como nasceu a decisão de fazer um filme que tem um paciente de PAF como fio condutor?
Eu tomei conhecimento da paramiloidose e li bastante sobre a sua origem. Fiquei impressionado pelo fato de ter sido uma doença propagada pelos portugueses no mundo inteiro. Daí tive a ideia de seguir um portador da doença numa viagem à volta do mundo, seguindo a rota dos portugueses que, no tempo das descobertas, a foram espalhando por cada país em que pararam na sua travessia. Apesar do infortúnio da doença, a verdade é que ela é a premissa perfeita para se falar da História do mundo e da globalização e até que ponto nós não somos efetivamente uma soma das partes. O Giovane é portador de uma doença que não é originaria do Brasil e encontrará no Japão pessoas com a mesma doença.
Que relação você estabelece entre a PAF e o título do filme, O Sentido da Vida?
A PAF é o pretexto para a viagem em busca do sentido da vida. É óbvio que o peso de ser portador de uma doença sem cura é brutal. É como se fôssemos recordados a cada momento da iminência da morte. E, nesse sentido, e infelizmente, qualquer doença degenerativa nos obriga a olhar para a vida e o mundo com outra perspectiva e urgência. Esta viagem não diz só respeito a pessoas que tenham a PAF, mas também a todos os seres humanos, já que nela questionamos a existência através do que vai acontecendo ao Giovane e às várias personagens que vamos encontrando. E é também uma maneira de alertar as pessoas para a PAF.
Como você encontrou Giovane Brisotto e o que motivou que ele fosse o escolhido para ser o protagonista?
Depois de ter a ideia para o filme, houve um período de castings intensivos com vários portadores da doença, de várias partes do mundo. Apenas tínhamos a certeza de que não queríamos ninguém português, para não correr o risco de ver um português a visitar lugares de origem portuguesa, o que poderia parecer qualquer tipo de saudosismo do império. Queríamos encontrar um portador da doença que pudesse entender esses lugares como um espelho onde se podem refletir, mesmo que de uma maneira disforme. Como sabíamos que o período de filmagens ia ser muito longo e cansativo, a pessoa que nós escolhêssemos tinha de ser não só a ideal para aquilo que queríamos transmitir, mas também uma pessoa que não se importasse de ser exposta durante tanto tempo, e com quem também nós nos pudéssemos relacionar de uma forma saudável. Teria de ser uma pessoa com quem me pudesse entender. Por exemplo, não podíamos ter um cara homofóbico ou racista, porque isso iria contra os meus ideais e os da minha equipe. E o Giovane era generoso, mal humorado no bom sentido, como nós, com um sorriso lindo e um olhar repleto de profundidade.
Na longa viagem ao redor do mundo que você fez com ele, há algum momento marcante que poderia destacar?
São tantos que é difícil escolher um... A viagem foi muito longa e passamos por locais completamente diferentes. Além disso, a jornada que tínhamos planeado inicialmente foi sofrendo várias mudanças. E a volta ao mundo era para terminar na Argentina — chegávamos aos EUA e depois íamos para lá de carro. Mas entretanto o Giovane foi chamado para o transplante, e contra isso não podes fazer nada. Obviamente que não esperávamos a morte, e também por isso muita coisa teve de mudar.
Em que etapa está a produção do filme? Já há uma previsão de data de lançamento?
Estamos lutando com falta de verba para terminar o filme. Sabemos como o apoio à arte é difícil. Mas não estamos parados. Neste momento, estamos a ver as mais de 2 mil horas de imagens que filmamos ao longo de todos esses anos, e a montar o filme para ter uma coerência ao longo de duas horas. Vamos também aproveitar esse material para fazer uma minissérie, que complementará o filme, abordando mais aprofundadamente tanto o Giovane como cada uma das sete personagens que são arquétipos, ao longo de oito episódios. Será um processo muito demorado, mas esperamos ainda conseguir lançar o filme no fim de 2020. Só espero que, no fim, consiga acreditar que toda essa jornada tenha valido a pena, e que as pessoas vejam o filme e que, com ele, percebam que precisamos de mudar as nossas vidas e o mundo, e terem a consciência de que o tempo não para. Temos de lutar agora por aquilo que acreditamos. Se esperarmos, pode ser tarde demais.