Deise Zanin, 34 anos, não teve uma infância normal. Os primeiros problemas físicos surgiram por volta dos cinco ou seis anos. Devido a contraturas musculares, as mãos, tomando o aspecto de garras, mexiam-se com dificuldade, o que a impôs uma caligrafia terrível. Sentia dores nas articulações, teve problemas de visão e as pernas um pouco desalinhadas. Não conseguia brincar, correr ou subir em árvores como os amigos. Buscou a avaliação de médicos de diversas especialidades.
– Sempre tive muita dor e tomei muito remédio. Amenizava, mas eu não tinha um resultado – recorda.
Aos 20 anos, finalmente conheceu seu diagnóstico, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA): mucopolissacaridose do tipo 1, uma doença rara. A mucopolissacaridose se caracteriza pela falta de uma enzima responsável pela degradação de glicosaminoglicanos, um componente das células. O acúmulo de glicosaminoglicanos causa inflamações, acarretando problemas para os pacientes. Há formas mais leves – caso de Deise – e mais graves, podendo haver comprometimento intelectual e esquelético e aumento do fígado e do baço.
Coincidentemente, no mesmo dia em que Deise descobriu o que de fato a acometia, a Anvisa liberou para teste, no Brasil, o medicamento de que a paciente necessitava, o Aldurazyme, e ela conseguiu se voluntariar para participar do estudo.
– Levei muito tempo para descobrir, mas foi o tempo certo. Até aquele momento, não havia o remédio no país. As coisas acontecem como e quando têm que acontecer – lembra a presidente do Instituto Atlas Biosocial, que acolhe e orienta pacientes com enfermidades raras e suas famílias.
Em alguns meses, Deise começou a se sentir melhor. Não sentia mais dores, e as mãos ganharam mais mobilidade. O tratamento se baseia na reposição da enzima que o organismo não produz naturalmente. Ela recebe a medicação a cada 15 dias, no hospital, por bomba de infusão, em sessões que duram quatro horas cada uma. Depois da participação na pesquisa científica, a paciente passou a ter acesso ao remédio por via judicial. Agora, faltam alguns trâmites burocráticos para que obtenha o medicamento diretamente na rede pública, via SUS. Não fossem esses recursos, ela jamais poderia custear por conta própria o tratamento, cujo valor prefere não divulgar.
– É impossível de pagar. Nem famílias que têm dinheiro poderiam pagar. Não tenho essa condição, nunca tive. É um tratamento contínuo. Quando fiquei sem remédio (um total de 20 meses em que a medicação não foi liberada por descumprimento da ação judicial), meus pais queriam vender a casa deles, era o que a gente tinha, mas o dinheiro da venda duraria pouquíssimo tempo – conta.
Natural de Ibiraiaras, onde administrava uma escola de informática, Deise se mudou para Porto Alegre há quatro anos, onde se dedica em tempo integral ao instituto e tem acesso facilitado ao tratamento. A paciente é acompanhada por geneticista, pneumologista, cardiologista e oftalmologista em avaliações de rotina. Com a medicação contínua, a mucopolissacaridose está estabilizada e tende a ter a sua progressão retardada.
– Hoje me sinto integrada em uma sociedade que ainda tem difícil entendimento e conhecimento. Levo uma vida normal. Sou diferente, mas não deixo que essa diferença interfira na minha vida. Luto sempre para melhorar a minha qualidade de vida e a dos demais pacientes. Ainda temos muito trabalho pela frente – avalia.