Apesar de reconhecer a legitimidade da expressão "violência obstétrica", o Ministério da Saúde mantém a decisão de não usar esse termo em suas normas e políticas públicas, informou à reportagem o secretário de atenção primária da pasta, Erno Harzheim.
A declaração ocorreu após a divulgação, nesta segunda-feira (10), de um ofício enviado ao Ministério Público Federal de São Paulo em que a pasta diz reconhecer o "direito legítimo" de que as mulheres usem o termo — o que começou a ser interpretado como um possível recuo da pasta, que havia defendido abolir o uso da expressão em maio.
Na prática, porém, a medida está mantida. "O Ministério não usará formalmente esse termo [violência obstétrica]", afirmou Harzheim, que assina o documento enviado ao MPF.
"Seguiremos usando o termo da Organização Mundial de Saúde: 'Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde'", completou. O debate em torno do tema começou em maio, após a pasta divulgar um despacho em que orientava abolir o uso da expressão "violência obstétrica" de normas e políticas públicas por considerá-la inadequada.
Nos últimos anos, essa expressão tem sido utilizada para definir casos de violência física ou psicológica praticados contra gestantes na hora do parto — problema que já foi abordado no passado em campanhas divulgadas pelo próprio Ministério.
A justificativa para deixar de usá-la, segundo a pasta, estaria na definição do termo violência pela Organização Mundial de Saúde, que "associa claramente a intencionalidade com a realização do ato, independentemente do resultado produzido. Percebe-se, desta forma, a impropriedade da expressão 'violência obstétrica' no atendimento à mulher, pois acredita-se que tanto o profissional de saúde quanto os de outras áreas não têm a intencionalidade de prejudicar ou causar dano", informava o despacho.
A mudança de postura gerou reação entre entidades em defesa das mulheres, para quem evitar o termo é negar a existência do problema. Também levou o MPF-SP a emitir uma recomendação para que a pasta "passasse a atuar para coibir casos de violência obstétrica em vez de proibir o uso do termo".
Recomendação semelhante foi adotada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos na última semana, para quem o veto ao termo violência obstétrica pode dificultar a apuração desses casos. Em contrapartida, algumas entidades médicas saíram em defesa do ministério, dizendo que a adoção de outro termo seria apenas para deixar de vinculá-los à atuação dos obstetras.
Ministério fala em falsa polêmica
Para o secretário de atenção primária em saúde, Erno Harzheim, porém, há uma "falsa polêmica" em torno do tema. Por isso, segundo ele, foi escrito em ofício ao MPF que o ministério "reconhece o direito legítimo das mulheres em usar o termo que melhor represente suas experiências vivenciadas em situações de atenção ao parto e nascimento que configurem maus tratos, desrespeito, abusos e uso de práticas não baseadas em evidências científicas".
— O ministério não é censor. Ele decide o que ele escreve. Em nenhum momento dissemos que as pessoas não podiam usar alguma expressão. Vivemos em um regime democrático. O Ministério da Saúde define os termos que o próprio ministério usa, nunca o que as pessoas usam. As pessoas perdem muito tempo e oportunidade de mudar a realidade discutindo semântica e discurso. O que importa é a atenção ao parto — disse Harzheim.
Questionado, porém, ele defende a decisão da pasta em não usar o termo.
— A política não mudou, e continua em busca de um parto humanizado e baseada nas melhores evidências científicas. A maneira de se referir a ela é que mudou — afirmou.
Não à toa, a expressão "violência obstétrica" não aparece em nenhum momento na resposta ao MPF — o qual é focado em citar ações realizadas pela pasta nos últimos anos na área de assistência ao parto.
"Dessa forma, o Ministério da Saúde reitera que a expressão utilizada nos documento e ações oficiais é a definida pela OMS em 2014, "Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde", no qual declara que essas situações nas instituições de saúde afetam os direitos das mulheres ao cuidado respeitoso, mas também ameaçam o direito à vida, à saúde, à integridade física e à não discriminação", finaliza o ofício enviado à Procuradoria.