Um despacho do Ministério da Saúde orienta a abolição do termo "violência obstétrica" no uso de políticas públicas. A expressão ganhou força nos últimos anos, inclusive em leis, por tratar de atos de ofensa verbal e física no atendimento a gestantes e durante o parto. A pasta, no entanto, defende o veto por acreditar que a expressão "tem conotação inadequada, não agrega valor e prejudica a busca do cuidado humanizado".
Em despacho da última sexta-feira (3), a pasta cita a definição de violência pela Organização Mundial da Saúde, que é o uso intencional de força física ou poder. Assim, o Ministério da Saúde argumenta que há impropriedade da expressão "violência obstétrica" no atendimento à mulher, pois "tanto o profissional de saúde quanto os de outras áreas não tem a intencionalidade de prejudicar ou causar dano".
Ao final do documento, a pasta conclui que a expressão "não agrega valor e, portanto, estratégias têm sido fortalecidas para a abolição do seu uso com foco na ética e na produção de cuidados em saúde qualificada".
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o relator do despacho, Ademar Carlos Augusto, falou em "viés ideológico" e disse que elaborou o documento devido à proliferação de leis referentes ao tema.
— A gente percebe que existe um movimento orquestrado de algumas instituições de trazer para o médico obstetra a responsabilidade pela situação caótica que está a assistência à gestante — disse ao jornal.
Ele acrescentou que "a discussão veio importada de países com viés socialista e que foi adotada pelo Brasil", referindo-se a leis na Argentina e na Venezuela.
O presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul, Eduardo Trindade, em nota, comemorou a decisão do Ministério da Saúde de vetar a utilização do termo.
"Esse termo pressupõe que os médicos estariam dispostos a cometer atrocidades contra seus pacientes – o que é uma total inverdade – por isso Cremers sempre se posicionou contra a ideologização dessa pauta. O exercício da medicina é um terreno técnico e complexo, e o cuidado com a vida da gestante e seu filho, não merece ser tratado de forma leviana ou generalizada", defende no texto.
Já a Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef), também em nota, repudiou "com veemência" o despacho do Ministério da Saúde, dizendo que se trata de "preciosismo político", ao associar o termo ao viés ideológico.
"A cinco dias do Dia das Mães, é inquestionável o retrocesso nos direitos das mulheres promovido pelo Ministério da Saúde com a medida, que está na contramão do trabalho realizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), pautado na redução da mortalidade materna, em muitos casos provocada pela violência obstétrica", diz a nota.
Leis sobre o tema causam polêmica
Recentemente, um projeto de lei gerou polêmica em Pelotas. O texto falava sobre proteção contra "violência obstétrica" supostamente cometida por profissionais da saúde contra grávidas e recém-nascidos, o que foi encarado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremers) e pelo Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) como tentativa de amedrontar médicos e enfermeiros. Em abril, o texto foi vetado pela prefeita da cidade, Paula Mascarenhas.
Porém, alguns Estados e municípios já têm leis para coibir práticas violentas, além de procedimentos humilhantes e desnecessários. Um deles é Santa Catarina, que, já em 2016, aprovou uma legislação estadual para informar gestantes e parturientes sobre violência obstétrica.