Um projeto de lei aprovado pela Câmara dos Vereadores de Pelotas e que havia sido mal recebido pela comunidade médica foi vetado pela prefeita da cidade, Paula Mascarenhas. O texto, de autoria dos vereadores Fernanda Miranda (PSOL) e Reinaldo Elias (PTB), dispunha sobre proteção contra "violência obstétrica" supostamente cometida por profissionais da saúde contra grávidas e recém-nascidos, o que foi encarado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremers) e pelo Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) como tentativa de amedrontar médicos e enfermeiros.
O PL 4/2019 classificava como violência o tratamento à gestante ou parturiente de forma "agressiva, não empática, grosseira, zombeteira ou qualquer outra forma que a faça se sentir humilhada, diminuída ou ofendida". Também considerava agressão ironizar ou recriminar a mulher em razão de "obesidade, pelos, estrias, evacuação, entre outros".
Ao justificar o veto, na quinta-feira (25), a prefeita alegou ser "necessária a rediscussão do assunto, seja pelos aspectos polêmicos trazidos, seja pelo envolvimento de valores como a vida humana”. Ela recebeu no Paço Municipal a vereadora Fernanda, uma das proponentes, e apresentou suas razões. Paula citou a multiplicidade de posições envolvidas e propôs, diante das divergências, que seja construído um novo projeto, baseado em comum acordo.
— Em um ambiente de conflito, não se pode construir algo que seja bom. Concordo com a importância de proteger as mulheres em um momento de extrema vulnerabilidade, que é o momento do parto, que se construam políticas que assegurem cada vez mais o acolhimento adequado e um parto seguro para as mulheres. Mas, obviamente, para construir isso nós temos que ter os médicos e as gestantes do mesmo lado — afirmou a prefeita. — Concluí que era melhor fazer um veto total ao projeto e a partir dai chamar tanto médicos quanto os movimentos sociais que defendem este projeto, os vereadores autores deste projeto, a sociedade em geral, as gestantes, o Conselho Municipal de Saúde, para coletivamente construirmos outro projeto, superarmos o clima de conflito e criarmos um ambiente favorável a este trabalho — finalizou.
Para Eduardo Neubarth Trindade, presidente do Cremers, o projeto relegava aspectos técnicos em prol de discussões ideológicas.
— Nenhum médico se dirige ao paciente para o humilhar ou ser agressivo. Discussões técnicas devem estar em livros e artigos científicos, não na legislação, seja ela municipal, estadual ou federal — afirma.
O projeto poderia tornar infração as orientações do obstetra para que a gestante controle o peso, o que é importante para a saúde da mãe e do bebê, exemplifica o presidente do Cremers. Outros pontos polêmicos eram a recriminação à raspagem de pelos pubianos, o que pode ser necessário conforme as técnicas cirúrgicas; a possibilidade de colocar doula (profissional que acompanha a gestante antes, durante e após o parto) no bloco cirúrgico, figura que hoje não é prevista nos protocolos das autoridades de saúde no país; e a obrigação dos médicos de colocarem o bebê saudável para amamentação junto à mãe antes do procedimentos de rotina, como aspiração e injeções.
— Em termos gerais, é obvio que este contato com a mãe ocorrerá, mas há nuances não previstas no projeto que colocavam em risco a vida do bebê, como a imediata amamentação quando a mãe tem HIV ou é usuária de drogas, que hoje é evitado — explica Trindade.
O PL também determinava que se priorizasse o parto vertical (modalidade natural de dar à luz, na qual a gestante se coloca de cócoras, agarrada a um objeto firme ou a uma cadeira) , técnica que nem todas as equipes de obstetrícia dominam, em razão de ser restrita a alguns casos de gestação.
A reportagem tentou contato com os vereadores autores do PL para comentarem o veto e as críticas dos profissionais da saúde, mas não obteve retorno.