Idealizada pelo médico ginecologista e obstetra Nilo Frantz, a quarta edição do simpósio internacional que leva o seu nome trouxe a Porto Alegre, em maio, especialistas da medicina de reprodução humana e endometriose.
— Estamos produzindo muito mais para as mulheres gaúchas — comemora Frantz.
Entre os convidados do evento, estavam Dani Ejzenberg, brasileiro que participou do primeiro transplante de útero com doadora viva bem sucedido no mundo, e Marcos Meseguer, biólogo espanhol que trabalha com inteligência artificial e time-lapse aplicado à reprodução assistida. GaúchaZH conversou com os dois.
"A técnica requer a expertise de profissionais com diferentes habilidades"
Médico ginecologista formado pela Universidade de São Paulo (USP) e especializado em reprodução humana, Ejzenberg participou do estudo que resultou no primeiro bebê nascido após um transplante de útero com doadora morta. Inédito no mundo, o feito foi publicado, em dezembro de 2018, no respeitado periódico científico The Lancet.
Como foi o processo do transplante?
O transplante ocorreu em setembro de 2016 e o nascimento foi em dezembro de 2017. A gente começou o estudo em dezembro de 2013, bastante tempo antes. Primeiro, fizemos estudos em cadáveres; depois, em modelo animal, utilizando ovelhas; por fim, passamos, realmente, a fazer captação para treinar a retirada do órgão. Foram feitas sete retiradas de útero e, no oitavo caso, é que houve realmente o transplante.
Qual foi a maior dificuldade?
Esse transplante envolve diferentes profissionais com diferentes habilidades. Foi realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, e é uma iniciativa da disciplina de ginecologia com a disciplina de transplante de fígado. Temos que juntar expertise de muitos profissionais. O mais difícil em relação à doadora é que você nunca sabe quando vai ter a doação, e cada vez mais precisamos de campanhas para aumentar o número de pessoas que doam órgãos no país, para que, mesmo em um momento de dor, elas pensem que podem ajudar outros indivíduos.
Qual é a importância para a ciência?
Já havia sido feito com doadora viva, na Suécia, em 2014. Mas com doadora falecida, o nosso é o primeiro e único caso relatado. Já se havia tentado na Turquia, nos Estados Unidos e na República Tcheca, mas todos sem sucesso. O caso brasileiro foi o primeiro com o nascimento. Nós temos uma parcela de mulheres que desejam ser mães e não têm nenhuma outra opção além da adoção ou da utilização de útero de substituição (cessão temporária do útero, autorizada em alguns casos específicos). Então, o transplante de útero surge como uma alternativa para aquelas mulheres que tinham um problema importante no útero e não conseguiam gerar. A técnica não vem para substituir as outras opções, mas para ser uma nova. Se juntarmos as mulheres que perderam o útero no momento do parto ou da gravidez, as que nasceram com uma malformação, que seria uma em cada 4 mil, e as mulheres que tiveram câncer ginecológico e tiveram que tirar o útero, construímos uma parcela para a qual o transplante de útero pode ser importante.
A idade da doadora faz diferença?
Nesse caso, foi uma pessoa de 45 anos que doou para paciente de 32 anos. Na Suécia, que foi com doadora viva, ela tinha 61 anos e doou para uma paciente com menos de 35. Então, aparentemente, é mais fácil trabalharmos com útero de mulheres até 55 anos, mas mesmo mulheres na menopausa podem ser doadoras de útero.
O que podemos esperar para o futuro?
Os próximos passos são ampliar o número de casos para que se mostre que realmente é uma técnica viável e aprimorar o processo. Também é preciso diminuir o tempo que esse órgão fica sem oxigênio. Em uma doadora viva, é muito mais simples.
"A IA vai ajudar a escolher o melhor embrião ou o melhor tratamento"
Formado em biologia pela Universidade de Valência, o espanhol trabalha como embriólogo sênior no IVI Valencia, maior grupo de clínicas de reprodução assistida do país europeu. Pesquisa o uso de inteligência artificial e time-lapse.
Como a inteligência artificial pode ser usada na reprodução assistida?
Basicamente, o que estamos tentando é usar máquinas e computadores para tomar decisões clínicas. Seja para escolher o melhor embrião ou para escolher o melhor tratamento às nossas pacientes. É um trabalho em estágio inicial. Mas a inteligência artificial não é custosa, não precisamos de instrumentos, só precisamos do fluxo correto de informações das pacientes, dos médicos e biólogos para integrar em um programa tecnicamente simples. A IA vai substituir ou ajudar o profissional a tomar decisões clínicas, como doses de medicação a aplicar, que embrião temos de selecionar ou que técnica deveríamos adotar para aumentar as chances de a paciente engravidar.
Você também trabalha com o uso de time-lapse. Pode explicar?
É a gravação dos embriões, feita em incubadoras especiais, com câmeras fotográficas. Tiramos uma foto a cada cinco minutos do ambiente em que o embrião cresce. Essa imagem permite detectar todos os fenômenos do desenvolvimento do embrião, desde que é uma célula até que sejam centenas de células. A gravação nos ajuda a obter uma série de características muito objetivas do embrião e que nos permitem identificar o melhor embrião da paciente. Se o time-lapse não é utilizado, temos de tirar o embrião da incubadora para observá-lo fora. Isso implica manipulá-lo mais. Além disso, com o time-lapse temos um registro contínuo do desenvolvimento desde a fecundação até o final, em vez de apenas registros pontuais.
Esse é o futuro da reprodução assistida?
Esse é o presente. E a inteligência artificial é o "futuro-presente", pois já estamos aplicando-a.