Ary Ribeiro, vice-presidente do conselho de administração da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), avalia que o (mau) humor da economia afetou, sim, a saúde privada no Brasil. Mas, mesmo com a queda no número de beneficiários dos planos de saúde — e mais: o rebaixamento de funcionários a planos "piores" — e a redução da taxa de crescimento da demanda dos hospitais, o setor não sofreu tanto quanto outros por ser a saúde um importante bem de consumo.
— Os hospitais privados ocuparam a segunda posição entre os principais geradores de emprego no país durante a crise — informa Ribeiro, médico cardiologista e superintendente de serviços ambulatoriais e comercial do Hospital do Coração de São Paulo (HCor).
Ribeiro acredita que o momento atual é de revisão de possibilidades de investimento e crescimento para um cenário futuro mais promissor, ainda que em patamares não muito elevados. Apesar da perda de 3 milhões de usuários de planos de saúde, a interrupção nessa queda, atestada pelo balanço da ANS em 2018, significa certo alívio.
— Isso estimula hospitais a fazerem investimentos no crescimento da sua capacidade de atendimento, de acordo com a estratégia de cada um. Existem instituições que têm estratégia mais agressiva e outras menos agressiva. Isso é muito variável de instituição para instituição e de mercado regional para mercado regional — comenta o representante da Anahp.
— Se você está investindo em construção, aquisição de equipamentos, tudo que é necessário para botar de pé unidades prestadoras de serviços de saúde, está contribuindo para a roda da economia girar. A retomada econômica significa acesso. O usuário ganha uma oportunidade de ingresso no sistema de saúde suplementar através do benefício das empresas. O setor de saúde, com seus investimentos, é uma parte da contribuição na retomada. A geração do emprego e a nossa capacidade de entregar um bom serviço, com uma relação adequada entre a qualidade e o custo, vai fazer com que o indivíduo se beneficie — destaca Ribeiro.
Brasil tem recuperação do número de usuários de planos de assistência médica, mas RS está na contramão
Outro bom indicador do novo fôlego do setor privado de saúde é a retomada do crescimento no número de beneficiários de planos assistenciais, após três anos de queda nos contratos. De acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), 47,3 milhões de brasileiros — de uma população total de 208 milhões de habitantes — contavam com convênio médico (excluída a assistência odontológica) em dezembro de 2018. Ainda são 3 milhões de pessoas a menos do que o pico da década até aqui, registrado no final de 2014, quando 50,4 milhões de clientes tinham plano para acesso à rede particular, mas o número subiu em comparação com o ano anterior, 2017.
O Rio Grande do Sul, por outro lado, segue em ritmo de queda desde 2013. Com a retração da economia e o desemprego, os planos — um investimento permanente que, para muita gente, só é utilizado de fato em ocasiões eventuais — acabam sendo cortados da lista quando o orçamento doméstico aperta ou fica até mesmo zerado por um tempo.
Número de beneficiários totais verificados no mês de dezembro de cada ano:
Especialista destaca que a rede particular cresce para complementar o serviço prestado pelo setor público
Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o médico Ronaldo Bordin, também coordenador do curso de especialização de Gestão em Saúde da UFRGS e da Universidade Aberta do Brasil (UAB), ressalta que não se pode discutir a saúde privada sem ter em vista a rede pública. A prática da rede particular cresce, esclarece Bordin, na complementaridade ou na ineficiência do setor público. Rapidez e acesso para exames de imagem e de laboratório, consultas com especialistas e cirurgias eletivas (aquelas que podem gerar algum desconforto, mas não levam a óbito ou incapacidade), segundo ele, figuram entre os principais problemas do Sistema Único de Saúde (SUS), supridos por serviços privados que querem atender a essa porção desatendida da população.
— A desgraça de um pode ser a alegria do outro. No momento em que o SUS estanca a sua expansão, isso se transforma em mercado — diz o professor, apontando também, além dos serviços de médio e alto padrão, o sucesso das clínicas populares, com baixos preços.
Bordin identifica o encerramento de um ciclo no SUS. Em um primeiro momento, o objetivo da rede era oferecer cobertura a 100% dos brasileiros. Em tudo? Não, mas em atenção primária e terciária, indica o médico, a resposta fica muito próxima do sim. O nível secundário _ onde se encaixam vários dos projetos expostos nesta reportagem _ está ainda muito longe de um patamar satisfatório. A emenda constitucional 55, aprovada em 2016, agora estipula um teto para os gastos públicos por duas décadas, lembra Bordin, o que impede que o SUS consiga progredir nos pontos em que é mais deficiente:
— O SUS está em construção. Então, qual seria o passo? No momento em que se consegue dar a baixa complexidade, teríamos de ir para a média complexidade. Isso significa mais investimentos, mais gastos. Mas não existe previsão orçamentária para isso. Com esse contingenciamento do SUS, você abriu um grande mercado para a iniciativa privada.
"Vale da saúde" ainda não decolou
Em viagem realizada em maio de 2015, o então governador do Rio Grande do Sul José Ivo Sartori e o então prefeito de Porto Alegre José Fortunati conheceram em Erlangen, na Alemanha, o modelo de um "vale da saúde" que gostariam de replicar no Estado. Sob aplausos, foi assinado um protocolo de intenções entre brasileiros e alemães, prevendo que as duas partes fariam esforços para consolidar o projeto de instalação de uma estrutura semelhante, um "cluster" da área médica, no eixo compreendido entre a Capital e São Leopoldo. As negociações para a implementação de um braço gaúcho do Medical Valley já vinham ocorrendo havia cerca de três anos, conforme noticiou GaúchaZH à época. Os alemães desejavam a oferta de uma área e de incentivos fiscais. O Rio Grande do Sul, de sua parte, envolveria seus hospitais, universidades e profissionais.
Questionado a respeito de suas intenções quanto ao projeto, o atual secretário estadual de Inovação, Ciência e Tecnologia, Luís Lamb, informou ter conhecimento da proposta e a intenção de dar continuidade às tratativas, mas ainda não estava familiarizado com os detalhes quando contatado pela reportagem.
— Acredito que o projeto é tão importante que envolverá a Secretaria da Saúde, a de apoio aos municípios e o gabinete do governador. Vamos priorizar a inovação em saúde, a tecnologia em saúde. A área de saúde é uma das prioridades para termos uma economia mais moderna — declarou.
GaúchaZH não conseguiu contato com Susana Kakuta, titular da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia e antecessora de Lamb.