Uma nota técnica distribuída nesta semana pelo Ministério da Saúde dá sinal verde para a compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia (os eletrochoques) para o Sistema Único de Saúde (SUS). O texto ainda prega a abstinência para o tratamento de dependentes de drogas, reforça a possibilidade da internação de crianças em hospitais psiquiátricos e tira protagonismo da redução de danos, adotada há pelo menos 30 anos no país. A estratégia prevê o cuidado geral do dependente químico e tem como principal objetivo a melhora de seu estado..
Com 32 páginas, o documento tem como objetivo trazer "esclarecimentos sobre as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas", fazendo um exame de uma dezena de portarias e resoluções sobre o tema que foram publicadas em 2017 e 2018.
Alguns especialistas reagiram, afirmando que a nota demonstra que o retrocesso que a política de saúde mental teve nos últimos anos no país. A Plataforma Brasileira de Política de Drogas, por exemplo, publicou que diz "a nota técnica não traz nada de novo — não só por retroceder nos avanços conquistados na reforma psiquiátrica e amparados por evidências científicas, mas também por apenas compilar e explicar as alterações implementadas no último governo", acrescentando que o documento "é um resumo do desmonte, basicamente".
Em entrevista à Agência Estado, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta disse não conhecer o documento. Ao ouvir os temas abordados, emendou:
— Sem dúvida (as medidas) são polêmicas.
Professora da Universidade de Brasília (UnB), Andrea Gallassi, vislumbra na nota técnica uma "preferência por intervenções autoritárias nessa área".
— No documento, a abstinência passa a ser o ponto central. E a redução de danos aparece camuflada.
Coordenador geral de saúde mental, álcool e outras drogas do Ministério da Saúde, Quirino Cordeiro, que assina a nota técnica, defendeu o destaque dado a eletroconvulsoterapia. Embora apontada como recurso para tratamento de pacientes com depressão grave, ela foi associada no passado a torturas em pacientes e abusos cometidos por profissionais de hospitais psiquiátricos.
A ideia, de acordo com Cordeiro, é orientar gestores do SUS sobre a política de saúde mental, o que passa por abordar o uso da eletroconvulsoterapia. O mesmo raciocínio se aplica à internação de crianças e adolescentes em hospitais psiquiátricos. O coordenador avalia haver um número insuficiente de leitos no país para atendimento de saúde mental. Ele diz que crianças e adolescentes podem ser internados, mas isso raramente é feito pela carência de vagas.
— Daí fazermos uma menção especial — a firmou.
Depois de um esforço para reduzir a hospitalização de pacientes de saúde mental, agora a política vive um movimento inverso, com a pressão de alguns setores pelo aumento das vagas para internação. No documento, a pasta critica o fechamento de leitos psiquiátricos e aponta, entre as medidas necessárias, o tratamento de dependentes de drogas em comunidades terapêuticas. A medida é criticada por integrantes do movimento de desospitalização, sob o argumento que tais instituições são pouco fiscalizadas e palco de desrespeito a direitos.
— Há sim uma fiscalização. E abusos podem ser cometidos em qualquer instituição — rebateu Cordeiro.
Coordenador estadual de Saúde Mental, Luiz Carlos Illafont Coronel encaminhou um comunicado a GaúchaZH afirmando que a nota técnica do Ministério apenas reafirma o que foi instituído em uma portaria de 2017, que nas portarias recentes "voltaram a ter destaque, especialmente, o atendimento das maiores necessidades da população adoecida" e que as medidas adotadas "apenas reforçam e qualificam a rede de atenção em saúde mental".