O uso prescrito de medicamentos contra a disfunção erétil reativa a vida sexual de homens impotentes e recupera a autoestima. Mas o uso inadequado desses comprimidos, comprados na farmácia sem receita médica, pode fazer mal à saúde, alertam urologistas e outros especialistas.
Foi para sentir-se seguro que Willian, como prefere ser chamado, passou a usar Viagra aos 26 anos.
— Na época, eu estava falhando mesmo. O negócio estava feio. O negócio estava ficando sem graça para o meu lado, vergonhoso (...) Estava com completo desinteresse — conta Willian.
Hoje, aos 39, diz já ter usado vários tipos de medicamento em doses diferentes. Ele conta que, para melhorar a autoestima, costuma tomar o medicamento quando sai com uma nova parceira. Sem modéstia, Willian diz que, assim, dá "um espetáculo".
Para o especialista Paulo Aguiar, do Conselho Federal de Psicologia, esse tipo de comportamento é "um grande sintoma da sociedade".
— Isso preenche vazios e inseguranças do sujeito — analisou.
Aguiar ressalta que o uso indevido de remédios contra impotência expõe homens clinicamente saudáveis à dependência psicológica e reafirma padrões sociais nem sempre positivos, em que prepondera a virilidade masculina.
Alex Sandro Baiense, do Conselho Federal de Farmácia, aponta que o caso de Willian é generalizável.
— Há um abuso do uso desse tipo de medicamento de pessoas que não têm quadro clínico que justifique o uso desse medicamento. Fica mais no campo do uso recreativo, da questão performática, para causar impressão — explica Baiense.
Vivemos no Ocidente contemporâneo em uma sociedade do desempenho, no qual nos vemos como um sujeito-empresa, cuja performance deve ser gerida e aprimorada.
ROGERIO LOPES AZIZE
Antropólogo
Ele lembra que a orientação aos farmacêuticos é de que "qualquer medicamento esteja com a indicação adequada".
— Nenhuma medicação pode ser usada de forma aleatória, simplesmente alguém chegar à farmácia e comprar. Medicina não funciona assim. Medicina funciona quando há consulta médica, tem que ter uma orientação — aconselha o urologista Carlos da Ros.
— A gente tem um universo pequeno de pessoas que têm contraindicação absoluta de usar esse tipo de medicação, mas há um universo grande de sintomas e sinais que podem ocorrer com o uso. Quando o paciente não é alertado disso, acaba se surpreendendo com o efeito colateral — acrescenta o urologista Osei Akoamoa Jr.
Lucio Flavio Gonzaga Silva, cirurgião urologista, também condena o uso desnecessário e a falta de consulta ao médico.
— Algumas situações contraindicam o uso desses medicamentos. Se você toma sem avaliação médica prévia, pode estar em uma dessas situações de contraindicação e correr riscos graves. Nunca recomendamos o uso recreativo dessas substâncias — completou.
O antropólogo Rogerio Lopes Azize, professor adjunto do Instituto de Medicina Social (Uerj), avalia que o consumo indevido de medicamentos para a disfunção erétil é sinal dos tempos.
— Vivemos no Ocidente contemporâneo em uma sociedade do desempenho, no qual nos vemos como um sujeito-empresa, cuja performance deve ser gerida e aprimorada. Isso atravessa e constrói a nossa subjetividade, influencia nossa relação com drogas em termos gerais, legais e ilegais — diz o antropólogo.