Annie Krause mudou-se para um asilo em Detroit, nos Estados Unidos, em 2015, quando tinha 98 anos. Ela estava frágil. Artrite, infecções recorrentes e hipertensão fizeram com que tivesse dificuldade de se cuidar.
Quando o médico do asilo a examinou, encontrou uma massa no peito de Annie e recomendou uma biópsia – procedimento padrão para determinar o tipo de tumor e, caso fosse maligno, qual o tratamento a ser seguido. Uma vez diagnosticado, o câncer de mama quase sempre leva à cirurgia, mesmo em mulheres de mais idade.
— Se ela fosse uma pessoa passiva, teriam feito uma lumpectomia (redução apenas do nódulo e de áreas adjacentes). Mas minha avó tinha um gênio forte. Ela disse que não, não, não, de jeito nenhum queria uma intervenção — disse a neta de Annie, a médica Mara Schonberg, plantonista no Beth Israel Deaconess Medical Center, em Boston.
No entanto, isso não impediu que o médico recomendasse uma biópsia.
Tendo passado anos estudando a melhor forma de informar mulheres mais velhas sobre o câncer de mama, Mara disse que as pacientes – no que diz respeito às decisões sobre investigação da doença e tratamentos – têm resistido à mudança.
Ela conta sobre a situação de sua família à luz de um novo estudo realizado por pesquisadores da Universidade da Califórnia, em San Francisco. Publicado em JAMA Surgery, a pesquisa acompanhou quase 6 mil residentes de casas de repouso que foram submetidas à cirurgia de câncer de mama dentro de um período de 10 anos.
É a operação de câncer mais comum para residentes de asilos, os pesquisadores relataram. No entanto, os dados do Medicare mostraram que, como um grupo, essas mulheres não tiveram bons resultados.
— As trajetórias dessas pacientes tendem a ser ruins para começo de conversa — disse a Victoria Tang, geriatra e principal autora do estudo.
Quase por definição, as idosas têm sérios problemas de saúde que já prenunciam uma expectativa de vida limitada. As mulheres do estudo (média de 82 anos) tinham altas taxas de diabetes, artrite, insuficiência cardíaca e derrames. Elas precisavam de bastante ajuda para cumprir as tarefas diárias. Bem mais da metade estava cognitivamente prejudicada.
Ainda assim, seus cirurgiões tendiam a intervir agressivamente. Embora cerca de 11% delas tenham passado pela lumpectomia, mais de um quarto foi submetido à mastectomia, remoção de todo o peito. Em mais de 60% dos casos, os cirurgiões também removeram os linfonodos da axila, um procedimento geralmente conduzido para ajudar em tratamentos futuros, mas que pode causar dor e infecção, com inchaço do braço, o que dificulta a mobilidade.
Estamos submetendo à hospitalização e à cirurgia pessoas que tinham propensão a morrer de outras causas.
VICTORIA TANG
Geriatra, principal autora do estudo
Em grupos mais jovens e saudáveis, a cirurgia é considerada de baixo risco.
— Uma lumpectomia é tida como rotina, nada demais. Pode ser feita sem internação da paciente — disse Victoria.
Mas para essas mulheres, "o tratamento cirúrgico contra o câncer de mama pode ter sido pior do que o próprio câncer", disse Rita Mukhtar, cirurgiã de câncer de mama e co-autora do estudo.
Um mês após a cirurgia, de 2% a 8% das pacientes no estudo tinham morrido, uma taxa elevada. Aquelas submetidas à lumpectomia tinham maiores chances de morrer – as autoras levantam a hipótese de que talvez por já se encontrarem com a saúde debilitada, tinham maior chance de não resistir a uma cirurgia invasiva.
Cirurgiões e hospitais prestam muita atenção à taxa de mortalidade nos primeiros 30 dias após a cirurgia, mas a maioria dos pacientes e familiares espera mais, meses ou anos de vida prolongada com as dificuldades da cirurgia.
Porém, em um ano, de 29% a 41% destas pacientes haviam morrido, dependendo do tipo de cirurgia pela qual passaram – outra taxa de mortalidade muito elevada.
Daquelas que sobreviveram depois de um ano, cerca de 60% passaram por declínio funcional.
— Uma dissecção de linfonodos pode deixá-las com dor e resultar em perda de capacidades, trazendo dificuldades para se vestir, tomar banho ou até mesmo se alimentar — ressaltou Victoria.
Naturalmente, as residentes de casas de repouso pioram e morrem com ou sem cirurgia. Mas era exatamente esse o ponto, Rita explicou:
— Estamos submetendo à hospitalização e à cirurgia pessoas que tinham propensão a morrer de outras causas — disse ela, citando os riscos desses procedimentos invasivos, que incluem infecção, quedas e delírio. — Operando-as, diminuímos sua qualidade de vida nos dias que lhes restam.
Com a noção mais clara dos riscos envolvidos, as pacientes e suas famílias podem optar por tratamentos menos invasivos. Terapia hormonal, como o tamoxifeno ou inibidores da aromatase tomados por via oral retardam a progressão de certos tipos de tumores. A radiação também pode controlar os tumores, com menos riscos do que a intervenção cirúrgica.
Nos casos em que o tumor cresce através da pele e causa dor ou hemorragia, é claro, a cirurgia torna-se uma resposta paliativa.
Mas demora mais de 10 anos para prevenir uma única morte decorrente de câncer de mama dentre mil pacientes examinados, se estão na média de risco. Assim, os pesquisadores dizem que as mamografias (e exames de câncer do colo do útero, que envolve um intervalo de tempo semelhante) têm maior utilidade para pacientes que tenham uma expectativa de vida maior do que uma década.
Poucas mulheres em asilos viverão tanto tempo. Muitas das que desenvolvem câncer de mama não manifestarão qualquer sintoma e nunca teriam conhecimento da doença se não fosse por exames físicos e mamografias.
Como qualquer teste ou procedimento, a mamografia envolve riscos: exames adicionais, biópsias, complicações causadas pelas biópsias e pelo tratamento, sem contar a ansiedade que é gerada por todo este processo.
A Força-Tarefa de Saúde Preventiva dos Estados Unidos não recomenda mamografias em mulheres com mais de 75 anos, porque não há provas suficientes para avaliar os possíveis benefícios e danos. Mulheres mais velhas têm sido excluídas de exames clínicos.
Uma vez que muitas idosas continuam realizar a mamografia disciplinadamente por décadas, Mara desenvolveu um livreto chamado Será que Devo Continuar a Fazer Mamografias?.
Ela explica os procedimentos, ajudando as mulheres a avaliar os fatores relevantes de saúde, apontando que, para aquelas que têm mais de 75 anos, o diagnóstico previne apenas uma morte por câncer de mama dentre mil mulheres examinadas em um período de cinco anos e gera também 100 falsos positivos. (Há também uma versão do livreto para aquelas com mais de 85 anos).
Tendo distribuído sua publicação para 45 mulheres, Mara observou que houve algum impacto. Depois da leitura, elas tinham mais conhecimento e maior propensão a discutir a decisão com seus médicos. No entanto, 60% ainda continuaram a realizar a mamografia.
Desde então, ela realizou um estudo mais amplo, que está em preparo, envolvendo 541 pacientes acima de 75 anos. Neste caso, os resultados preliminares também mostram que a proporção das que se submeteram à mamografia caiu um pouco depois de ler o livreto, de 61% para 56% – uma queda modesta que demonstra a relutância em interromper os exames.
As mulheres estudadas não eram residentes de asilos e pode fazer sentido para elas usar outros critérios além de idade para tomar essa decisão. Rita realizou cirurgias de câncer de mama em pacientes entre seus 50 e 60 anos, por exemplo, que tinham problemas médicos sérios de antemão, levando a complicações preocupantes depois. Mas também operou pacientes saudáveis que tinham seus 80 anos e que se recuperaram bem.
No entanto, aquelas que residem em asilos já têm uma saúde debilitada.
— É provável que a cirurgia não as ajude a viver por mais tempo e certamente não possibilitou que vivessem melhor — explicou Mara.
Quanto à sua avó, Annie Krause, ela recusou a biópsia e Mara apoiou sua decisão.
— Em uma senhora de 98 anos de idade provavelmente devia ser câncer de mama mesmo. Mas ela não queria mais intervenções médicas. Estava focada em otimizar sua qualidade de vida — contou.
Annie morreu dois anos depois, por conta de um derrame.
Por Paula Span