Dener Machado, 16 anos, escolheu uma camiseta, Bruna Luz, 18, fitas para as tranças, e a orientadora educacional Maribel Cherutti, 56 anos, touca e manta. Em comum, a mesma cor, amarelo, e um motivo nobre: alertar para a valorização da vida no mês dedicado à prevenção do suicídio. A proposta partiu da Escola Estadual de Ensino Médio Luiz Moschetti, no centro de Capão da Canoa, que ganhou novas cores nesta quarta-feira (05) para lembrar o Setembro Amarelo.
Nas paredes, cartazes e faixas com mensagens motivacionais — "depressão não é mimimi", "sua vida vale muito", "abrace + e sorria +" — foram espalhadas pelos integrantes do Grêmio Estudantil. Laços com fitas amarelas de TNT ficaram dispostos nos corrimãos, à espera dos estudantes. A meta era que cada um pegasse pelo menos uma e aderisse à causa.
— Nossa escola nos motivou a pensar mais sobre a importância da vida. Queremos mostrar que estamos aqui para ajudar quem precisa de acolhimento, de um abraço. Ninguém está sozinho — afirmou Dener, um dos líderes do Grêmio Estudantil.
— Não estamos apenas falando sobre o tema, mas estamos agindo e chamando a atenção para uma causa importante. É só o começo — completou Emanuel de Freitas, 18 anos, estudante do terceiro ano.
Essa é a primeira das ações realizada pela instituição, que planeja outras atividades nas próximas semanas enfatizando a importância de viver. Motivadas pela Luiz Moschetti, as outras três escolas estaduais da cidade aderiram à causa, assim como o município. No próximo dia 13, professores das três instituições do Estado debaterão o tema numa rádio local. A terceira semana de setembro ficará reservada para discussões internas e organização do evento programado para fechar o mês, em 29 de setembro: pela primeira vez, todas as escolas de Capão da Canoa se unirão para participarem da Caminhada Amarela VIDA #curtaessaVibe.
— O que começou com as rodas de conversa nos grupos de discussão sobre temas relacionados à adolescência tornou-se uma causa muito maior. A comunidade escolar está percebendo a importância de alertarmos para a prevenção do suicídio — comemora a professora e psicóloga Fabíola Silveira, 40 anos.
Junto com Maribel, Fabíola teve a autorização da direção da escola e da 11ª CRE para desenvolver um projeto ainda incomum nas instituições públicas do Estado, conforme a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar (Cipave), da Secretaria Estadual da Educação (Seduc). Desde o início deste ano, as duas promovem semanalmente rodas de conversa sobre depressão, automutilação e suicídio com os estudantes da Luiz Moschetti — a escola tem quase mil alunos. Destes, cerca de 500 foram convidados para participarem do projeto.
Os grupos foram organizados depois da liberação dos pais dos interessados, com idades entre 11 e 17 anos. Semanalmente, 25 deles reúnem-se com as professoras nas terças-feiras, no horário inverso ao das aulas. Os estudantes são divididos em grupos por faixa etária e situações específicas. Cada encontro começa com a mesma pergunta, respondida por quem sentir vontade: como foi a sua semana? As professoras também reúnem no WhatsApp os estudantes que fazem parte das rodas de conversa porque muitos deles não conseguem esperar uma semana para exprimir o que estão sentindo.
Os alunos não podem ter medo de pedir ajuda. Estas fitinhas no peito em laranja e amarelo representam energia, vida e vitalidade. Queremos que seja sempre assim.
MARIBEL CHERUTTI
Orientadora educacional da escola
De acordo com o monitoramento semestral da Cipave, entre janeiro e junho deste ano, a região da 11ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), da qual a Luiz Moschetti faz parte, registrou a maior quantidade de casos de estudantes com automutilações (cortes no próprio corpo) — 89 no total, sendo 20 em uma única escola de Imbé. A comissão ainda não sabe informar o motivo do índice elevado. Uma parceria com duas universidades da região possibilitou palestras com psicólogos e estudantes de Psicologia nas instituições. Entre os temas, prevenção à vida e afetividade.
Os números surgiram a partir de um levantamento, até então inédito, feito pelo Cipave que mapeou casos confirmados de automutilação, de tentativas de suicídio e de suicídios entre os estudantes. Das 1.622 instituições que encaminharam respostas, 357 relataram 1.015 episódios de automutilação. Outras 101 confirmaram 169 tentativas de suicídio e seis mortes por suicídio, somente entre janeiro e junho de 2018. O levantamento foi tema de reportagem de GaúchaZH, no final de semana passada.
Segundo a coordenadora da Cipave, a policial civil e professora Luciane Manfro, os números são apenas a amostra de uma realidade até então pouco discutida no ambiente escolar. Para este semestre, a comissão alterou o questionário, incluiu uma pergunta específica sobre as tentativas de suicídio, e reforçou a importância de respostas por parte das escolas.
Antes da Cipave se mobilizar para o tema, em Capão da Canoa, a Luiz Moschetti já se preocupava em entender os próprios estudantes. No ano passado, a orientadora educacional propôs estudar o perfil dos alunos a partir de um trabalho proposto por ela. Acabaram surgindo histórias de abandono materno e paterno, solidão, isolamento, falta de convívio familiar e abuso sexual. Com o consentimento dos responsáveis, a orientadora encaminhou os alunos ao serviço público de saúde mental, tornou-se ainda mais presente na vida deles e virou referência de aconselhamento para a comunidade escolar.
— Os alunos não podem ter medo de pedir ajuda. Estas fitinhas no peito (apontando para um broche produzido artesanalmente pelos alunos da escoa) em laranja e amarelo representam energia, vida e vitalidade. Queremos que seja sempre assim. Nossa meta é unir a comunidade escolar em torno deste tema. No dia 29, estaremos todos juntos — resumiu Maribel.
Em 29 de setembro, o ponto de encontro da mobilização que envolverá alunos, pais e professores de todas as escolas de Capão da Canoa será o ginásio de esportes Otto Birlem. A caminhada iniciará na Rua Rudá e seguirá até o Largo do Baronda. Cada escola confeccionará símbolos para serem levados no evento, como girassóis, cata-ventos e outros símbolos que representem o valor da vida. As instituições também prepararão atividades para serem desenvolvidas antes e depois da caminhada. Se chover, a mobilização será realizada em cada escola.
Sintomas de depressão
- Alteração de padrão de sono — dorme mais
- Alteração de padrão de apetite
- Alteração de humor: pode ter choro frequente ou apenas demonstrar a alteração em atitudes mais impulsivas (se era uma criança ou adolescente calmo e passa a demonstrar irritação com situações comuns da rotina)
- Sentimentos de desesperança, desamparo e desespero
- Desânimo
- Queda no rendimento escolar
- Pensamento negativo
- Diminuição de prazer
- Isolamento
- Tédio (não tem nada para fazer)
- Uso contínuo de roupas compridas em períodos de calor
- Uso de pulseiras para esconder os braços
Causas que podem desencadear a depressão
- Abuso de substâncias
- Abuso físico e sexual na infância
- Bullying
- Desemprego, perda recente do emprego ou endividamento dos pais
- Dificuldade de integração e socialização na escola
- Dificuldades em relação a identidade e orientação sexual
- Histórico familiar de transtorno psiquiátrico
- Problemas emocionais, familiares e sociais
- Rejeição familiar
- Situações de luto
- Situações de assédio moral
- Trabalho infantil
- Violência familiar
FONTES: psiquiatras Berenice Rheinheimer, Sara Sgobin e Christian Kieling, psicóloga Claudia Weyne Cruz e manual de bolso do Comitê de Promoção da Vida e Prevenção do Suicídio do RS