As autoridades de saúde consideram que a contaminação alimentar é uma das principais hipóteses para explicar o grave surto de toxoplasmose que assola Santa Maria, mas até agora não enviaram nenhum amostra de alimento para análise laboratorial. Os primeiros casos ocorreram em janeiro e o surto foi reconhecido oficialmente há um mês, mas recém estão começando os questionários que podem levantar produtos suspeitos.
A outra possível fonte de contaminação, a água, teve apenas uma leva de amostras examinada. Não há previsão de nova remessa para o serviço especializado, localizado no Paraná.
Enquanto as investigações sobre a origem do surto não avançam, o número de doentes não cessa de aumentar. Segundo os dados oficiais, atualizados pela última vez há uma semana, seriam 271 infectados. Mas os infectologistas de Santa Maria trabalham com um número superior a 600 pacientes - o que configuraria o maior surto da história.
Especialistas consideram fundamental descobrir o que está causando a contaminação, para conter o surto.
- Tem de saber onde está pegando fogo para apagar o fogo. Precisa descobrir a origem. Não é uma doença tão agressiva, que sai matando gente, mas também não é boazinha, que se deixe acontecer - afirmou a GaúchaZH um dos maiores especialistas na doença, o oftalmologista Cláudio Silveira, que comanda o Centro de Referência em Toxoplasmose, de Erechim.
Marilina Bercini, coordenadora do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (CEVS), afirmou em entrevista a GaúchaZH que os questionários que podem ajudar a levantar alimentos suspeitos de contaminação estão apenas começando a ser aplicados. Ela não soube informar quantos pacientes vão responder e não deu prazo para finalizar o processo.
- Deixa eu explicar. A Vigilância está desde o princípio mapeando a questão dos alimentos, fazendo inspeção nos frigoríficos, verificando as feiras livres. Mas, por enquanto, não teve um direcionamento. E não adianta pegar carne a la loca. Porque o laboratório tem uma limitação de reagentes, de recursos humanos, o nosso laboratório de referência. Tu não podes coletar alimentos sem ter uma base. Senão, vai dar negativo e não vai trazer nada. Vamos mandar o alimento que tiver de fato um forte indício de estar associado a essa situação. Ao acaso não dá, tem de ser direcionado pela investigação, pelo questionário. Precisa fazer entrevista, que muitas vezes é gravada, que tem de quantificar, colocar no Excel. É trabalhoso. Talvez tenha de fazer com umas 200 pessoas - disse ela.
Em um nota técnica divulgada nesta semana, com críticas duras à maneira como as autoridades estão lidando com o surto de toxoplasmose, 13 infectologistas de Santa Maria mostraram desagrado com a demora de resultados na investigação. "Os órgãos de vigilância epidemiológica parecem ter estes dados, uma vez que informamos todos os nomes completos e telefones de todos pacientes que diagnosticamos até o presente momento. Então porque após quase dois meses de surto não temos nada ainda?", questiona o documento.
Marilina responde que a investigação exige uma metodologia apurada:
- A gente quer fazer bem feito, né? Não adianta sair fazendo questionários simples. Se a gente não faz todas as perguntas, pode ficar um aspecto negligenciado e ele ser importante. É bem comum que os questionários não tragam nada, se a gente não fizer eles bem feitinhos.
Com a demora em localizar e analisar alimentos suspeitos, o trabalho pode ser revelar em vão. Surtos de toxoplasmose envolvendo comida costumam atingir uma quantidade restrita de vítimas e ser limitados no tempo - um vez que o alimento contaminado é ingerido, as pessoas adoecem e o surto acaba. Depois de algum tempo, o alimento que causou o estrago não é mais encontrável.
O surto de Santa Maria tem chamado atenção por atingir centenas de pessoas e por se prolongar no tempo. A primeira característica sugere uma fonte de contaminação que atinge uma grande massa de pessoas - a hipótese de um alimento específico contaminado perde força nesse cenário. Essa é a razão para a maior parte dos especialistas acreditar que as pessoas estejam adoecendo no contato com a água.
A segunda característica - a ocorrência de infecções durante um alargado período de tempo - permite supor que essa água esteja sendo contaminada repetidas vezes pelo toxoplasma causador da doença. A contaminação se dá pelas fezes de gatos ou outros felinos - em surtos parecidos, verificou-se a existência de ninhadas de gatos vivendo junto a fontes de água, onde despejavam suas fezes com frequência.
Por isso, testar a água é considerado essencial. No caso de Santa Maria, isso ocorreu apenas uma vez. No dia 26 de abril, foram coletadas amostras em sete pontos distintos, depois analisadas em laboratório da Universidade de Londrina. Os laudos foram considerados "negativos quanto a presença do DNA de Toxoplasma gonddi". A Corsan comunicou que havia sido "confirmada ausência de toxoplasma nos resultados das amostras de água tratada de Santa Maria". O prefeito de Santa Maria, Jorge Pozzobom, postou em suas redes sociais uma foto em que aparecia com o laudo nas mãos. Os infectologistas da cidade ficaram alarmados e reagiram com críticas severas. Entenderam que estava sendo passada à população a ideia perigosa de que a água pode ser consumida com segurança.
A verdade é que a análise realizada em Londrina tem uma relevância muito relativa. Em situações desse tipo, um resultado positivo significa que a água está contaminada - mas um resultado negativo não descarta essa hipótese.
- As análises feitas no Paraná não querem dizer muita coisa. Será que as amostras examinadas representam tudo? Tem de analisar mais amostras, em diferentes momentos - diz Cláudio Silveira.
Marilina Bercini afirma que, por enquanto, ainda estão sendo esperados os resultados de amostras enviadas na primeira leva. Não há previsão de novas coletas para análise.
- Estamos vendo, agora é momento de verificar o que está acontecendo e propor novos cortes - disse.