A auxiliar de serviços gerais Carla Motta, 52 anos, aperta o passo ao percorrer a rampa para a plataforma de embarque do Terminal Parobé, em Porto Alegre. São 16h42min da terça-feira (7). Outras pessoas correm também. A razão da pressa é não perder o ônibus da linha Rubem Berta, que parte às 16h43min.
A rotina que tensiona usuários também se move na forma de reclamações e pedidos de providências ao poder público municipal. Para responder aos questionamentos, a prefeitura promete fazer ajustes no sistema até março, sobretudo nas rotas para as periferias.
— Perder esse é esperar o outro. Às vezes, demora. Às vezes, não. Pra quem mora longe, cada minuto vale — declara Carla, antes de desaparecer entre aqueles que se acomodam em pé nos espaços do veículo de prefixo 6579. Ela é uma das mais de 21 mil pessoas que utilizam diariamente o conjunto de linhas Rubem Berta.
O minuto intenso da trabalhadora desenha um cenário que aflige os porto-alegrenses. Centenas de histórias semelhantes e anônimas se locomovem em meio ao contingente humano que se desloca a partir dos terminais localizados no Centro Histórico.
São cerca de 600 mil passageiros transportados por dia na Capital, alocados em trajetos que se distribuem em 285 linhas de ônibus nos dias úteis, 192 aos sábados e 160 aos domingos.
— No período das férias é um pouco mais tranquilo. Depois fica terrível — aponta a empregada doméstica Maria Claudete da Silva, 51, que espera o Restinga, no ponto de embarque da Avenida Borges de Medeiros.
Claudete conta que pega o coletivo por volta das 7h, em direção ao Centro. Sai de casa 6h30min e caminha cinco paradas no sentido contrário, para embarcar mais próximo ao começo da linha. Caso contrário, não consegue lugar sentada. A doméstica disputa e compartilha espaço com outros 38 mil usuários diários do conjunto Restinga.
A revisão que a prefeitura fará consiste em identificar, por exemplo, horários com baixa ocupação, e manejar os veículos para atender períodos de maior demanda, dentro da estrutura existente no conjunto de linhas que atende cada região. O foco principal do trabalho está nos conjuntos abaixo:
Restinga
- 38,1 mil passageiros/dia
- 620 viagens/dia
- média 65 passageiros/viagem
Rubem Berta
- 21,6 mil passageiros/dia
- 530 viagens/dia
- média 42 passageiros/viagem
Pinheiro
- 16,4 mil passageiros/dia
- 260 viagens/dia
- média 66 passageiros/viagem
Monitoramento em tempo real e relatórios diários
De uma sala no terceiro andar de um prédio no bairro Jardim Botânico, equipes da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (SMMU) e da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) monitoram, em tempo real, o deslocamento da frota.
Os trajetos e horários, alternados diariamente por 1.087 ônibus, são observados em um grande painel digital e estão divididos em quatro bacias operacionais, identificadas pelas cores estampadas na lataria dos veículos:
- Azul: Bacia Norte/Nordeste
- Vermelho: Bacia Sul
- Verde: Bacia Leste/Sudeste
- Amarelo: Bacia Transversal
A análise é contínua e permanente, gerando relatórios operacionais que dizem onde a ocupação e a oferta estão em desequilíbrio.
— Listamos as queixas e atendemos a pedidos de informação e providências que vêm da Câmara de Vereadores. A partir deles, procuramos ajustar os horários. Vamos dar uma atenção às periferias, de onde vem a maior parte das reclamações — afirma o engenheiro Flávio Tumelero, gerente de Planejamento da Operação de Transportes da EPTC.
Diante do painel, Tumelero indica que a operação tem sua complexidade. Ele aponta para a linha T4. Dois veículos estão trafegando com intervalos adequados. Na sequência, outros dois ônibus estão quase sobrepostos, resultando em um intervalo maior com relação ao que virá depois, o que poderá influenciar no tempo de deslocamento e no planejamento de quem espera nas paradas.
Relação com as concessionárias
Tumelero explica que a atual configuração de financiamento, na qual a prefeitura aporta recurso público diretamente para as 12 empresas concessionárias do sistema, promoveu uma capacidade maior de interferência da gestão municipal sobre o planejamento.
— A remuneração do serviço passou a ser pelo quilômetro rodado e não pelo número de passageiros. Isso garante que o ônibus irá até onde as pessoas precisam, mesmo que não haja a lotação dos lugares. Antes disso era mais difícil convencer sobre a necessidade do manejo — diz o gestor.
Na atual análise, o foco está nos pontos mais distantes das bacias Norte, Sul e Leste. Bairros como Restinga, Lami, Cohab, Lomba do Pinheiro, Bonsucesso, Santa Maria, São Caetano, São José, Sarandi, Rubem Berta, Parque dos Maias e Jardim Leopoldina, além de outros, estão sob este olhar.
Em 2024, o dispêndio público está projetado (ainda não consolidado) em R$ 132 milhões, que correspondem a cerca de 20% do financiamento anual do sistema. O restante provém da roleta e dos passes antecipados.
Para este ano, a prefeitura estuda se será possível aportar recurso que mantenha o congelamento da tarifa em R$ 4,80 ou se haverá permissão para reajuste. Não há definições por ora.
Duas horas do dia no ônibus
Moradores dos bairros periféricos de Porto Alegre investem cerca de duas horas do seu dia em deslocamentos de ônibus. Embarcada em um articulado da linha 398 Pinheiro, a consultora para venda de cosméticos Michele Alves, 38, resume em única palavra o sentimento após o dia de trabalho em pé, numa farmácia do Centro Histórico:
— Cansativo.
De ponta a ponta da linha, entre a Avenida Salgado Filho e a parada 21 da Lomba do Pinheiro, são ao menos 55 minutos no coletivo. Nesta terça-feira (7) não havia ar-condicionado no ônibus em que ela embarcou, às 17h33min.
O pedreiro Paulo Ricardo da Rosa, 42, tenta amenizar o calor no coletivo abrindo a janela. Nesta viagem conseguiu assento junto à vidraça. Edificou alvenaria na restauração do prédio onde funcionou, por décadas, o Cine Imperial, na Praça da Alfândega. O edifício histórico abrigará, quando concluído, um centro cultural mantido pela Caixa Econômica Federal.
— Dessa vez a obra é no Centro. A anterior era na (Avenida) Nilo Peçanha. Moro na parada 2. Meio do caminho. Então eu vinha de pé e voltava de pé — conta o construtor.
Acessibilidade precisa melhorar, diz cadeirante
O trajeto do Pinheiro é interrompido, na Avenida Ipiranga, quando o motorista Tiago Medeiros, 43, desembarca. A porta central se abre e o cobrador Róbson da Silva, 32, salta da cadeira frontal à roleta.
Em coordenação e sincronia, o cobrador dentro do ônibus e motorista na calçada, elevam o servidor público Gérson Lopes, 35, em sua cadeira de rodas até a plataforma dos assentos.
— Em Porto Alegre está melhor que em Viamão, onde moro. Mas, na semana passada, dois elevadores falharam aqui (na Capital). Tive que esperar o próximo (ônibus) nas duas vezes. É ruim. Já foi pior. Tem muito a melhorar — argumenta Lopes.