As ruas Fernando Gomes e Padre Chagas, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, apresentam novos perfis de empreendimentos e de público. Em um passado de boêmia, observado dos anos 1990 até os 2000, um trecho da Fernando Gomes ficou conhecido como Calçada da Fama. Era um local de badalação, paqueras, restaurantes e bares. Atualmente, nos dois endereços, a agitação noturna dificilmente passa da meia-noite na maior parte dos estabelecimentos.
Conforme dados da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo (SMDET), nos últimos cinco anos, o número de estabelecimentos abertos nas ruas Padre Chagas e Fernando Gomes chegaram a 1.248. Agora, a Padre Chagas tem 512 estabelecimentos ativos, enquanto a Fernando Gomes, 34. Os demais são empresas encerradas ou inativas/inaptas em razão de problemas com o fisco. No período de cinco anos, 702 deixaram de funcionar na soma das duas vias. O levantamento não abarca apenas bares e restaurantes.
De acordo com o presidente da Associação de Moradores e Empresários do Bairro Moinhos de Vento (AME Moinhos), Cláudio Goldztein, 50 anos, a transformação na região começou após a pandemia de covid-19:
— Essa mudança foi percebida pelos moradores e demais comerciantes. Trouxe um público de diferentes faixas de renda, mas de perfil mais jovem, com famílias e crianças — afirma o empresário.
Goldztein ressalta as atividades vinculadas à alimentação que são oferecidas na parte da tarde:
— Tem sorveterias, confeitarias, hamburguerias, cafés e lojas de vinhos — enumera, citando ainda outros serviços, como de estética e as lojas de roupas.
A era da Calçada da Fama
A proprietária da Barbarella Bakery, Ana Zito Klein, 52, residiu na Fernando Gomes e acompanhou de perto as transformações dos perfis de negócios e de públicos no Moinhos de Vento. A empresária contextualiza o cenário de 30 anos atrás:
— A Padre Chagas era uma rua de cafés, não de bares. A Calçada da Fama eram três bares da Fernando Gomes na primeira quadra com a 24 de Outubro. Depois (tinha) a Tortaria na esquina. Tudo isso no final dos anos 1990. Por isso tem as estrelas ali na calçada ainda — recorda.
A empresária considera que a Padre Chagas sempre foi a principal via do Moinhos de Vento, e compara com a Oscar Freire, badalada rua de São Paulo.
Confira, abaixo, algumas imagens de anos anteriores na região:
Para Ana, todos esses lugares foram perdendo espaço para bares e locais com propostas de baladas, o que descaracterizou a região, sempre marcada pelo sucesso da mistura entre moradores e comércios.
— A Padre Chagas perdeu o charme — opina.
Confeitaria oferece chá inglês
O empresário Fábio Irigoite, 65, decidiu abrir a Artezanalle Confeitaria há dois anos na Rua Fernando Gomes. Antes, o ponto ficava em espaço na Galeria 5ª Avenida Center. Para agradar frequentadores, serve chá no bule, doces e espumante.
— Nós atendemos um público maduro que se identifica pela qualidade, atendimento e facilidade de chegar até aqui — diz.
Ele afirma que o Moinhos de Vento descentralizou as atrações e cita opções na Rua Dinarte Ribeiro, além de operações no casario da Marquês do Pombal e especialmente no trecho das duas primeiras quadras da própria Padre Chagas.
— Aqui (Rua Fernando Gomes) se transformou naturalmente em um lugar para quem quer ter mais tranquilidade e algo intimista. A tendência é se transformar em um local para o período da tarde — avalia.
A poucos metros da confeitaria é possível ver dois sobrados na cor branca dos anos 1930. Eles foram restaurados e abrigarão operações comerciais. Os imóveis integram o empreendimento da Woss Incorporadora, que planeja construir duas torres residenciais. Haverá lojas na parte inferior de um dos edifícios, que terá ainda serviços e comércio.
A advogada e moradora do bairro Daniela Abel, 53, lembra que a Padre Chagas recebia diferentes públicos e, durante determinado período, tornou-se muito badalada na noite, o que incomodava moradores da região.
— Deveriam investir bastante nessa questão de pegar o público da parte da tarde, que entra (nos locais) no começo da noite sem prejudicar o pessoal que ainda mora por aqui — sugere.
Os quatro quarteirões da Padre Chagas englobam operações diversificadas, como bancos, sorveterias, casa de degustação de vinhos, cafeterias, bar com serviço de barbearia, tabacaria, lojas de bijuterias, de roupas e de sais de banho, creperia, farmácias, centro profissional e salão de beleza. Há também o Pátio Ivo Rizzo, na esquina da via com a Dinarte Ribeiro, que oferece mais opções para os frequentadores.
A jornalista Mariana Bertolucci, 51, era frequentadora assídua de bares já fechados como Lilliput e Jazz Café:
— Chego a sentir uma tristeza e melancolia em relação à Fernando Gomes. Acho que ela continua bonitinha, mas está completamente abandonada e vazia. Está meio sombria — opina.
Para empresária, quatro vias do bairro são um "shopping a céu aberto"
A empresária Carla Tellini, 58, possui três operações no Moinhos de Vento. Tratam-se do Ô Xiss (Padre Chagas), aberto em 2017, do Press Bar Restaurante, inaugurado em 2006 (Hilário Ribeiro, esquina com Padre Chagas) e a Presstisserie (Dinarte Ribeiro), com pouco mais de um ano e meio de funcionamento. Moradora do bairro, ela faz observações sobre o perfil atual da região:
— Há muito tempo que eu classifico o quadrilátero (Padre Chagas, Hilário Ribeiro, Dinarte Ribeiro e Luciana de Abreu) como um shopping a céu aberto. É o maior de Porto Alegre — compara.
Para Carla, o perfil da região não é noturno e a época da Calçada da Fama faz parte do passado. Em sua avaliação, as características atuais são comerciais, com variedade de serviços médicos, além de oferta de estabelecimentos gastronômicos.
— Tu vens para o bairro como um destino para jantar, ou vem no fim de semana para almoçar. Como se fosse um shopping, tem opções de diversas coisas.
Problemas em eventos noturnos
Mas nem tudo sempre foi pacífico na região. No auge da pandemia da covid-19, houve registro de aglomerações de público na esquina da Padre Chagas com a Luciana de Abreu.
Há alguns anos, a festa Saint Patrick's, realizada na Padre Chagas, foi retirada da região após pressão dos moradores incomodados com a grande movimentação causada pelos frequentadores do evento.
A empresária e proprietária do Dionisia Vinhobar, Jaqueline Meneghetti, 59, identifica uma mudança no perfil dos frequentadores do bairro nos últimos anos:
— Na verdade, se resgatou aquilo que o bairro sempre foi: família e um público bem diverso. O bairro até atraía turistas que se hospedavam no Sheraton — ressalta.
Inaugurado há seis anos, o Dionisia Vinhobar oferece vinhos em torneiras para os clientes. Também há opções de gastronomia na casa. Na percepção de Jaqueline, atualmente um público mais adulto circula pelo bairro durante o dia e opta por jantar pela região na parte da noite.
Sobre o destino do frequentador noturno que antes era visto na Fernando Gomes e parte da Padre Chagas, a empresária cita opções espalhadas por diferentes regiões da Capital:
— A cidade cresceu em opções de gastronomia, noite, bares e entretenimento. O próprio Centro, a região do Cais Embarcadero, a Zona Sul e o 4º Distrito, que cresceu muito. O Bom Fim e a Cidade Baixa sempre foram muito tradicionais, e temos o bairro Rio Branco com algumas opções. Acho que pulverizou. Não existe uma concentração — reflete.
No começo da tarde, a executiva Elis Regina Oberdörfer, 52, acompanhava a sobrinha e arquiteta Tanara Bortolon, 39, no Dionisia.
— Hoje, é um bairro mais calmo do que já foi antigamente. Antes era mais boêmio. Agora a gente vem para comer e passear. E o meu marido ainda tem um escritório aqui no Moinhos — comenta Tanara.
A tia Elis Regina vive em Atlanta, nos Estados Unidos, e visitava Porto Alegre no momento da reportagem. Ela viveu outras fases da região.
— Eu frequentava antes por causa dos bares e da festa quando eu era mais nova. Mas eu acho que o bairro evoluiu com a minha idade. Depois dos 50 anos, tu queres um ambiente mais calmo, restaurantes e cafés — diz Elis Regina, que ainda destaca a sensação de acolhimento proporcionado pela arborização nas ruas da região.
Mudança causada por enchente
O empresário Ronald Früstöckl, 59, levou sua operação comercial para a Rua Padre Chagas no dia 13 de setembro deste ano, quando abriu as portas da casa noturna Free Rider's Pub. Foi a oportunidade para realizar um antigo desejo:
— Eu queria vir para a Padre Chagas desde 2004. Na época, não tinha mais ponto comercial disponível. Então, eu tive de ir para o DC Navegantes. Quando veio a enchente, minha esposa disse: "Agora tu vais para lá (Padre Chagas)" — relata.
A inundação de maio na região do 4º Distrito deixou uma série de danos na estrutura de seu estabelecimento no DC Navegantes, inclusive no telhado. O ponto onde ficava a casa noturna já sofria antes com alagamentos constantes, além de a região não oferecer a mesma segurança de outros bairros.
— Qualquer feriado a queda de movimento era de 80% a 90% — revela.
A casa noturna que abriu na Padre Chagas costuma ter shows com músicas dos anos 1980 e 1990.
— Nosso público, em sua maioria, está acima dos 40 anos e vai até os 55. É formado por casais.
O empresário explica que os frequentadores chegam após as 18 horas no Free Rider's Pub para o happy hour. O horário se estende até as 2h. Por enquanto, a casa só abre de quinta a sábado, mas os dias serão ampliados. A oferta de almoço está sendo estudada para breve.
Recentemente, a segunda unidade do Brasco foi aberta no Moinhos de Vento. A operação fica na esquina das ruas Padre Chagas e Luciana de Abreu, onde antes funcionava a Void. Outro ponto, com operação de loja-café, deverá ser aberto em frente ao Free Rider's Pub. Já é possível ver obras no local.