Ter todo o sistema ainda em papel é apenas um dos desafios enfrentados em termos de estrutura. Segundo a coordenadora geral do Conselho Tutelar de Porto Alegre Maria Alice Goulart Silva da Silva, os computadores disponíveis não comportam um software que poderia integrar os dados digitalizados.
— Pra ter ideia, a gente conseguiu ter webcam nos computadores na pandemia, com muito custo, por uma emenda impositiva, porque se fazia audiência online e nós tínhamos que usar nossos telefones particulares, porque não tinha webcam no computador — relata Maria Alice.
Na microrregião 8, que fica na área central de Porto Alegre, conselheiros contam que não possuem internet no prédio e precisam utilizar dados móveis pessoais para acessar a internet e buscar informações referentes aos atendimentos.
Às vezes a gente precisa ver alguma coisa, abrir algum expediente, ali no WhatsApp precisa passar informações, e a gente precisa usar os nossos dados privados. Isso não tem mais justificativa em um trabalho que é público
TEREZINHA VERGO
Conselheira tutelar da microrregião 8
A alternativa pensada para melhorar o gerenciamento de dados dos Conselhos Tutelares tem mais de 25 anos. Com as primeiras versões criadas em 1996, o Sistema de Informação para Infância e Adolescência (Sipia) foi elaborado para integrar os registros, facilitar o trabalho dos conselheiros e contribuir para a geração de estatísticas que tornariam possível mapear as condições em que se encontram as crianças e adolescentes em situação de risco e dar subsídios para que as autoridades e órgãos públicos desenvolvam ações mais efetivas e políticas públicas.
A ferramenta é nacional e está ligada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Conforme a pasta, no Rio Grande do Sul, 79 Conselhos Tutelares em 73 municípios usaram pelo menos uma vez o Sipia de 1º de janeiro a 31 de agosto de 2024.
A incorporação gaúcha é bastante baixa. Dados do governo federal sinalizam que 24 municípios utilizam a ferramenta frequentemente, o que representa cerca de 4,8% de adesão no Estado no ano de 2024. No ano passado, segundo os mesmos parâmetros, o cenário foi semelhante: 4,4% (22 municípios).
Sentada em sua mesa e cercada por pilhas de papéis – um cenário bastante comum nos conselhos – Terezinha conta que os computadores enviados para implantação do Sipia chegaram há cerca de 15 anos, mas a ferramenta nunca foi incorporada à rotina, porque supostamente não funcionaria no esquema de divisão em microrregiões de Porto Alegre.
— Em Porto Alegre, o Sipia teria que ter uma estrutura melhor para integrar os 10 conselhos tutelares. Não é uma resistência, mas teria que ter uma rede mais integrada, porque para nós seria um Sipia para cada conselho tutelar, então teria só para a região (...). Eu fui capacitada em maio do ano passado e até hoje não usei — comenta a conselheira.
O governo federal salienta que a versão mais atualizada se encontra em pleno funcionamento em Porto Alegre. A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social disse que “trabalha internamente na busca por um sistema que qualifique a gestão dos dados e o trabalho dos 10 Conselhos Tutelares da Capital”.
A prefeitura reconhece que, a partir de uma alteração na interface do sistema, realizada neste ano, foi possível encaminhar a implantação. A secretaria confirmou que começará a capacitação dos Conselhos Tutelares de Porto Alegre em outubro, com previsão de treinamento até fevereiro de 2025. A efetiva utilização no ambiente de produção dos conselhos está prevista para março de 2025.
O Ministério Público (MP) trabalha para incentivar a ampliação do sistema. Segundo a promotora de Justiça Cristiane Corrales, que coordena o Centro de Apoio Operacional da Educação, Infância e Juventude do Ministério Público, a adoção do Sipia servirá para facilitar a atuação dos conselheiros.
— Nós estamos disponibilizando, inclusive, algumas possibilidades de capacitação e de auxílio através do Ministério Público, e junto à Secretaria Estadual de Direitos Humanos, Cidadania e Justiça, que também está nos auxiliando para que todos os conselhos do Rio Grande do Sul tenham adesão ao Sipia — comenta.
A promotora explica que o governo federal supõe que os conselhos tenham os recursos para implementar o sistema, como os computadores. Na ausência disso, é dever do MPRS intervir, cobrando do poder público municipal.