A pista do aeroporto Salgado Filho, inundada durante a enchente de maio em Porto Alegre, ficou 75% submersa, segundo a Fraport, empresa alemã que administra o terminal. O espaço está fechado desde 3 de maio.
De acordo com Fabricio Cardoso, diretor de operações da Fraport, a empresa está na fase de análise das condições de infraestrutura da pista.
De 3,2 mil metros da nossa pista, somente 800 metros não ficaram submersos. Uma grande porção da pista foi atingida pela enchente. Assim que a água baixou, a gente trabalhou no diagnóstico, agora se trabalha nas análises.
FABRICIO CARDOSO
Diretor de operações da Fraport
Nesta terça-feira (16), o governo federal informou que a reabertura do aeroporto ocorre em outubro, de forma parcial, com previsão de retorno pleno até dezembro. Até lá, os pousos e decolagens seguem ocorrendo na Base Aérea de Canoas. As operações de check-in voltaram a ser realizadas na Capital na segunda-feira (15).
O engenheiro civil Felipe Brasil Viegas, coordenador do curso de Engenharia Civil da Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), analisou a inundação da pista do Salgado Filho e projetou eventuais reflexos do problema para retomada plena das operações.
"Solo ótimo para plantar arroz"
Na avaliação de Felipe Brasil Viegas, os problemas começam justamente na localização do aeroporto. A primeira pista de pouso de Porto Alegre começou a funcionar em 1923, em um campo da várzea do Rio Gravataí. Ao longo de mais de cem anos, o espaço e os terminais foram ampliados, transformando o local no que hoje é o Aeroporto Internacional Salgado Filho.
As várzeas são regiões alagadiças, como se observou na enchente de maio. Para o professor Felipe Brasil Viegas, o solo onde foi erguida a pista do Salgado Filho é "ótimo para plantar arroz".
— O terreno no qual a pista está implantada é um solo muito, muito ruim. É um solo, eu sempre brinco, ótimo para plantar arroz. É um solo orgânico de argila mole, muito deformável. Quando é um solo melhor, rochoso, alteração de rocha, fica mais fácil — diz o engenheiro.
Como o solo não é o ideal para um aeroporto, foram necessárias adaptações ao longo das décadas.
Camadas da pista
A Fraport assumiu a gestão do aeroporto em 2016 e realizou a ampliação da pista de 2,28 mil metros para os atuais 3,2 mil. Segundo o professor da PUCRS, a empresa construiu o trecho ampliado "com estacas em uma mistura de solo e cimento para criar o reforço".
Já na pista original, o processo foi diferente. O solo da pista foi adensado.
— É como se você ficasse apertando uma esponja de lavar louça — explica o engenheiro.
Sobre esse solo, foram colocadas uma camada de pedra rachão semelhante às rochas usadas na construção dos corredores emergenciais de acesso a Porto Alegre, uma lâmina de concreto e o acabamento em asfalto. Essas camadas juntas medem cerca de 4 metros de altura.
Tamanho do estrago
De acordo com Felipe Brasil Viegas, o acabamento em asfalto sofre desgaste ao longo do tempo e é constantemente reparado, como em rodovias. O problema atual está em saber qual o grau do impacto da enchente nas camadas inferiores.
— O problema todo está em entender se o profundo alagamento que houve no Salgado Filho comprometeu as camadas de baixo, ou seja, esses 4 metros de aterro que têm ali. Se isso, de alguma maneira, foi carreado (levado de arrasto pela água), se isso cedeu, se isso deformou. Porque isso vai exigir naturalmente algum reforço — afirma o engenheiro.
Como a Fraport não detalhou publicamente os problemas observados na pista, o coordenador do Curso de Engenharia Civil da Escola Politécnica da PUCRS diz ser difícil precisar o tamanho do estrago e o tempo necessário para o reparo.
Resistência da pista
As pistas de aeroportos têm a resistência medida pelo índice PCN (abreviatura em inglês de "número de classificação de pavimento"). Já os aviões são medidos pelo índice ACN (sigla em inglês de "número de classificação da aeronave"), que expressa o efeito de uma aeronave com uma determinada carga sobre um pavimento.
O indicador do Salgado Filho antes da enchente era 72. Dessa forma, aviões com um ACN inferior a esse PCN poderiam pousar ou decolar no local.
— Se o do Salgado Filho é 72 e o avião está operando com um nível 60, ok, ele pode aterrissar — explica Felipe Brasil Viegas.
O engenheiro comenta que as pistas apresentam diferenças de PCN ao longo de sua extensão, com indicadores menores na base, por exemplo, e que algumas exceções são abertas para situações pontuais, como voos de aviões "mais pesados".
— A Anac tolera um conjunto de operações acima desse limite, sabendo que depois, lá adiante, (o aeroporto) terá que fazer manutenções. Você pode extrapolar o limite, eventualmente, não pode ser a rotina — diz.
Limite de cargas
Com o risco de diminuição da resistência da pista do Salgado Filho e isso não sendo algo pontual, o terminal correria o risco de só operar voos de menor ACN — ou seja, com menores cargas.
— De repente, tenha que se limitar essa capacidade de carga da pista do Salgado Filho, o que criaria uma limitação para a carga dos aviões no ponto de decolagem. Aparentemente, isso é muito ruim — analisa Viegas.
Usada como alternativa, a Base Aérea de Canoas tem PCN de número 46. Por isso, não poderia receber voos de maior carga de forma rotineira.
— É um uso muito especial. Normalmente, o que você tem na Base Aérea são aviões leves. Os caças são, em geral, aviões muito rápidos, mas muito leves — comenta Viegas.
Tempo de reparo
Sem saber do tamanho dos danos, o professor afirma ser difícil projetar o tempo de reparo.
— O tempo que vai levar para consertar os danos, evidentemente, vai depender do tipo de dano. Nós estamos falando de danos na base da pista. Se esse material sofreu acomodação, se esse material, por conta da cheia, perdeu planicidade, eles terão que abrir a pista, terão que fazer os reparos — observa Felipe Brasil Viegas.
Viegas prefere não estimar o custo do reparo, já que, além da obra da pista em si, seriam necessários gastos com equipamentos de alto custo e de pouca oferta no mercado. Contudo, o especialista destaca que não será necessário construir uma pista totalmente nova.
— Nós não estamos falando de construir uma pista nova, nós estamos falando de recuperar danos localizados. Não tem sentido a gente pensar em estar reconstruindo a pista nova — defende.
Agilidade e transparência
O coordenador do curso de Engenharia Civil da PUCRS defende agilidade e transparência nas obras, a fim de auxiliar na recuperação econômica do Rio Grande do Sul após a enchente.
— Agilidade pela importância do Salgado Filho para um Estado como o Rio Grande do Sul. Transparência porque, na medida que verbas públicas são necessárias e serão necessárias para toda essa recuperação, é justo que se possa saber com muita clareza quais são os danos efetivos, qual é o processo que vai se fazer. Não dá pra tratar, na minha opinião, o assunto como uma caixa fechada, porque é uma empresa privada, e pretender ter acesso ao socorro público — comenta Viegas.