Sair de manhã para trabalhar e voltar para casa ao final do dia virou sinônimo de incerteza para o administrador Alexandre Araújo, 47 anos, morador de Sapucaia do Sul, na Região Metropolitana. O trajeto entre a casa e o local de trabalho dele, no centro de Porto Alegre, que costumava levar cerca de uma hora, quase triplicou na última semana. O motivo é a suspensão da operação do Trensurb nas estações da Capital, que foram atingidas pela enchente histórica de maio e permanecem fechadas desde então, com previsão de normalização somente no próximo ano.
— Desde que isso aconteceu, não consigo mais ter assertividade nos meus horários. Sei a hora que vou sair, mas não sei a que vou chegar — ccnta o administrador, que relata ter levado até cinco horas para cumprir seu deslocamento diário na semana passada, contando os tempos de ida e volta.
— Isso me causa problemas pessoais, porque a qualidade de vida é comprometida. Não gostaria de continuar perdendo tanto tempo do meu dia dentro do transporte — completa.
Alexandre é só um dos afetados pela impossibilidade de o Trensurb circular até Porto Alegre. Atualmente, a operação ocorre com intervalo de 35 minutos entre as viagens, entre as estações Novo Hamburgo e Mathias Velho, onde quem deseja se deslocar até a Capital precisa pegar um ônibus. O coletivo da empresa Transcal tem como ponto final o Terminal Conceição. Na volta, a baldeação se repete.
Os coletivos integram a operação emergencial coordenada pela Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional, a Metroplan, e deve se manter por, pelo menos, mais cinco meses. A Trensurb não tem previsão de voltar a operar as estações Mercado, Rodoviária e São Pedro ainda neste ano. Já o prazo dado para retomada da Estação Farrapos é de, ao menos, 150 dias, conforme informado em entrevista ao Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, nesta terça-feira (11) pelo diretor-presidente da Trensurb, Ernani Fagundes.
Assim, a integração por meio de ônibus deverá continuar fazendo parte da rotina dos usuários. Apesar de garantir a ligação dos passageiros do trem com a Capital, esta baldeação é apontada pelos passageiros como principal gargalo da mobilidade. Relatos dos passageiros dão conta de fila e demora para embarcar nos ônibus, elevação do tempo de deslocamento até Porto Alegre e viagens com coletivos lotados.
Segundo Alexandre, o pior cenário ocorreu na última segunda-feira (10), quando o fluxo de pessoas aumentou consideravelmente em relação à semana anterior.
— Foi caótico. Eu saí de casa 6h20min e cheguei no trabalho quase 9h. A fila dos ônibus estava enorme, demorou mais de uma hora. Funcionários da empresa diziam que não havia veículo suficiente para atender aquela demanda — conta o administrador.
— Parece que todo mundo voltou a trabalhar e eles não estavam preparados. Os ônibus estavam abarrotados de gente, com fila até quase a Estação Canoas, sem exagero. E o trem, que até então não estava vindo tão cheio, também ficou abarrotado — completa o segurança Silvio Rogério Gonçalves, 59 anos, morador de Esteio.
Usuários percebem melhora, mas apontam problemas
A reportagem circulou pela Estação Mathias Velho na manhã desta terça-feira e encontrou a situação um pouco melhor. O fluxo de pessoas permanecia grande, porém, a partida dos coletivos ocorria de forma relativamente ágil. Perto das 7h30min, uma enorme fila única se formava para o embarque, mas o tempo de espera não era tão elevado quanto no dia anterior, segundo relatos.
Alexandre, por exemplo, desembarcou do Trensurb perto das 7h25min e conseguiu entrar no ônibus em pouco mais de 10 minutos. Ele elogia o aprimoramento da operação, mas teme que a melhoria seja temporária:
— Melhorou muito. Espero que, a partir de agora, esse seja um novo padrão, não apenas uma maquiagem para satisfazer dados estatísticos da fiscalização.
Durante o horário de pico, entre 6h30min e 8h30min, os ônibus encostam no terminal de três em três, mas saem sempre cheios. Cada coletivo só parte para Porto Alegre ao atingir a lotação de cerca de 44 pessoas sentadas e 44 pessoas em pé. A Metroplan orienta o processo de embarque no terminal.
Moradoras de Canoas que também aguardavam na fila pela baldeação até Porto Alegre na manhã desta terça-feira, Júlia Andielle Bottcher da Silva, 23 anos, e Pâmela Farias Oliveira, 24, consideram que o serviço precisa melhorar mais. Para elas, o principal ponto, agora, é a lotação dos ônibus.
— Na segunda, foram duas horas só esperando na fila. Graças a Deus, em relação a isso, está mais ágil, mas continua complicado. A viagem é longa e cheia de gente. Se tu vai sentado, é com gente quase sentada no teu colo. Como se não bastasse toda a humilhação que a gente passou com a enchente, ainda precisamos enfrentar isso — diz Júlia.
— O ônibus só sai quando lota. Tu vai literalmente esmagado, com todo mundo encostando em todo mundo. É muito desconfortável para a gente que é mulher. Sem falar que tu já chega no serviço cansado e sabendo que, na volta, será a mesma coisa — acrescenta Pâmela.
Para a promotora de vendas Marli Moraes de Oliveira, 50 anos, o impasse não está em somente uma das pontas do sistema, mas na necessidade de precisar se submeter a mais um ônibus até conseguir chegar ao seu trabalho em Porto Alegre. Moradora de Sapucaia do Sul, ela tem utilizado três linhas de ônibus para cumprir o trajeto, além do Trensurb.
O problema é o conjunto da obra. É o ônibus que atrasa, é o trem que deveria passar em 35 minutos e passa em 40... Quando tu vê, vira uma bola de neve.
MARLI MORAES DE OLIVEIRA
Promotora de vendas
Marli pega um coletivo para ir de sua casa até a Estação Sapucaia, onde embarca no trem, outro para ir da Estação Mathias Velho até o centro de Porto Alegre. Mais um para chegar à Zona Norte, onde trabalha. Ao fim da jornada, o trajeto que costumava ser feito por ela em até 1h30min tem demorado mais de três horas.
— O problema é o conjunto da obra. É o ônibus que atrasa, é o trem que deveria passar em 35 minutos e passa em 40... Quando tu vê, vira uma bola de neve. É um combo bem complicado — diz Marli.
Metroplan prevê aumento da demanda
A reportagem entrou em contato com a Metroplan para buscar esclarecimentos. Segundo o superintendente da fundação, Francisco Horbe, há dificuldade em tapar o buraco deixado pela suspensão da operação do Trensurb até a Capital:
— Nos momentos de pico, antes da catástrofe, o trem chegava a transportar perto de 15 mil pessoas em uma hora. Para dar conta desse volume, precisaríamos de cerca de 150 ônibus. Não é impossível fazer isso. Se a circulação do Trensurb aumentar e precisarmos fazer isso, temos como fazer, mas é claro que impactaria o trânsito e os embarques seriam demorados, porque os terminais não têm essa capacidade.
Ele diz que, no momento, cerca de 60 ônibus estão disponíveis para a baldeação do trem com a Capital e que a Metroplan já trabalha na ampliação da frota, prevendo aumento da demanda.
— O que posso garantir para os próximos meses é que haverá ônibus para transportar as pessoas, que a população não ficará desassistida, mas não será com a agilidade do trem.
Sobre a lotação dos ônibus da baldeação, Paulo Osório, chefe do Departamento de Transporte da fundação, justifica que, para dar conta da demanda nos horários de pico, é preciso levar o máximo de passageiros por viagem. Ele estava coordenando a operação na Estação Mathias Velho na manhã desta terça-feira.
— A legislação diz que o mesmo número de pessoas sentadas pode ir em pé, e é isso que estamos fazendo, sem exceder a lotação máxima. Se colocarmos os carros para sair só com pessoas sentadas, não teremos carros suficientes para atender a demanda — diz Paulo Osório.
— Muitos passageiros têm preferido esperar o próximo ônibus para ir sentado, e isso é direito deles. Tumultua a operação, porque acaba se formando uma segunda fila, mas a gente está respeitando a isso — completa.