Entre os anos de 2019 e 2023, Porto Alegre teve 355 mortes em 344 acidentes de trânsito. Isso significa que em média 71 pessoas morreram por ano nas vias da cidade. Os dados são da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC).
Dentre os números, o órgão público inclui tanto os óbitos registrados nos locais dos acidentes quanto aqueles que aconteceram depois, ou seja, quando a vítima chega a ser hospitalizada, mas não resiste e morre em decorrência dos ferimentos causados pelo acidente. A EPTC considera como morte posterior todas as que ocorrem até 30 dias após a data do acidente de trânsito. Os dados mostram que 51,41% das, ou 182, vítimas morreram no local.
O mestre professor de Engenharia Civil da Feevale, Glauber Silveira, que atua há 35 anos em projetos de infraestrutura viária e rodoviária, explica que existem três fatores que influenciam diretamente na segurança no trânsito: infraestrutura, fiscalização e educação no trânsito. Sendo este último relacionado, fundamentalmente, com o comportamento dos usuários das vias, seja condutor, passageiro ou pedestre.
Locais dos acidentes com morte
A maioria dos registros coletados pela EPTC trazem informações sobre a geolocalização das ocorrências, ou seja, a latitude e longitude do local da ocorrência. Com isso é possível mapear onde cada acidente aconteceu na cidade.
Os dados relacionados à localização dos acidentes mostram que um quinto dos mais de 300 registros foram feitos em cinco vias da cidade, sendo elas as únicas que possuem mais de 10 ocorrências cada.
- Av. Bento Gonçalves: 20 acidentes fatais;
- Av. Assis Brasil: 16;
- Estrada João Antônio Silveira: 13;
- Av. Juca Batista: 12;
- Av. Professor Oscar Pereira: 10.
Estas vias superam os números registrados em avenidas mais extensas, como é o caso da Av. Protásio Alves. Conforme Silveira, um dos motivos para isso ocorrer pode ser a infraestrutura para o tráfego no local:
— A Av. Assis Brasil, por exemplo, tem um volume de tráfego enorme, muito grande, e tem muitos comércios. É uma circulação de pessoas e veículos muito grande para o gabarito (largura da via e das calçadas) disponível. Então, tem uma questão de limitação geométrica e, junto com isso, a questão do grande volume de tráfego que propicia a ocorrência de acidentes. Alguém que faz uma freada brusca, é um motoqueiro que abusa por imprudência, são essas e outras situações recorrentes que a gente observa ali que podem causar acidentes.
O tamanho do gabarito, como o da Av. Assis Brasil, também é uma questão em outras vias da cidade. De acordo com Silveira, existem vias com variações de largura, o que aumentam as chances de acidentes no trânsito.
— Muitas vias aqui em Porto Alegre têm estreitamentos. A faixa está com 3,5 metros, mas em algum segmento da via tem um estreitamento para 3m. No local com duas faixas, a gente sai de uma largura total de 7m para 6m. Esse 1m de largura significa mais proximidade dos veículos. Se por ali tiver que passar uma moto, é maior a chance de haver um acidente, um abalroamento, por exemplo — explica.
Uma das apostas da EPTC, para diminuir o número de acidentes de trânsito, que envolve a infraestrutura é a criação de pista exclusiva para motos.
— Em São Paulo, estão testando uma via expressa para motos e isso vem mostrando sucesso total. É uma faixinha, dê um metro, como tem de ônibus aqui. Nós já entramos com o pedido na Secretaria Nacional do Trânsito (Senatran) pra experimentar, fazer um teste. Queremos fazer onde for possível, achamos que é importante — comenta o diretor-presidente da EPTC, Pedro Bisch Neto.
Outros investimentos na infraestrutura, com foco na redução de acidentes de trânsito, também estão sendo feitos. Conforme Neto, 10 novas lombadas eletrônicas estão sendo instaladas na cidade, em locais onde foram registrados mais de um atropelamento, e um grande investimento em sinalização horizontal, como pintura de faixas na pista, será feito neste ano.
Dos 16 registros feitos na Av. Assis Brasil ao longo dos últimos cinco anos, três dos acidentes fatais ocorreram em pontos de cruzamento com outras vias. A Estrada João Antônio Silveira e a Av. Professor Oscar Pereira também possuem um registro cada em cruzamentos. Ao todo 31 pessoas morreram em algum cruzamento de Porto Alegre durante o período.
Tipos de acidentes
Nos últimos cinco anos, foram registrados sete diferentes tipos de acidentes fatais em Porto Alegre, sendo que três deles concentram mais de 80% das ocorrências. O atropelamento é o tipo de acidente que mais causou mortes no período. Foram 120, 34,99%, registros, dos quais 45 aconteceram durante a noite, principalmente entre as 18h e 19h.
Confira a quantidade de ocorrências por tipo de acidente
As principais vítimas dos atropelamentos registrados são pessoas idosas, com 60 anos ou mais. Elas representam 56,2% das mortes por atropelamento. Para o engenheiro civil, a mudança de comportamento da população é indispensável para que haja redução no número de mortes:
— Para mim, é fundamental a educação para o trânsito. Eu estou convicto de que esse é um dos caminhos necessários (para reduzir o número de mortes), porque ao fazer isso, nós estamos também agindo na questão comportamental. Sem isso a gente não vai conseguir, por mais que se faça uma boa infraestrutura, reduzir os acidentes e as mortes.
Compartilhando do mesmo pensamento, um dos caminhos adotados pela EPTC neste ano foi a introdução, junto à Secretaria Municipal da Educação (Smed), da educação para o trânsito no currículo escolar. A ideia, conforme Neto, é que, além de pensar no futuro, as crianças sejam um caminho de, hoje, conscientizar os adultos.
Dias e horários
Conforme as informações da EPTC, 35,57%, ou 122, das ocorrências de trânsito que resultaram em morte aconteceram durante a noite. Mas considerando por faixa horária, a maior quantidade de registros é das 16h às 17h.
Outra característica das ocorrências de trânsito com morte é em relação ao dia da semana em que elas ocorreram. Sábado e domingo são os únicos dias que somam mais de 60 registros cada. Enquanto isso, a média é de 44 registros nos outros dias da semana.
Tipos de veículos envolvidos
Os registros trazem outros diversos detalhes que revelam as principais características dos acidentes fatais, como os tipos de veículos envolvidos nas tragédias. Conforme os dados da EPTC, as motos e os automóveis são os veículos mais presentes nas ocorrências que resultam em mortes. Entre os 344 acidentes registrados no período, 186 deles tiveram automóveis e ou motos envolvidos, sendo que em alguns tiveram mais de um mesmo tipo de veículo envolvido, por exemplo duas motos na mesma ocorrência.
- 216 automóveis em 186 acidentes fatais diferentes;
- 192 motos em 186;
- 31 caminhões em 31;
- 31 transportes coletivos em 31;
- 20 bicicletas em 20;
- 3 outros tipos de veículos em 3.
A presença das motos nos acidentes fatais é um ponto de atenção para o Diretor de operações da EPTC, Cirilo Faé, pois em todos os anos analisados, mais da metade das mortes registradas possui o envolvimento de motos. Em 2023, por exemplo, elas estiveram presentes em 38 dos 70 acidentes com óbitos.
— Ano passado mais da metade dos óbitos no trânsito tinham relação direta com motocicleta e, do número total das motos, em 30% dos casos o condutor não era habilitado. Chama muita atenção. Tem muita gente circulando com moto na cidade sem documento, seja dele ou do veículo — revela Faé.
Ele também destaca que essa imprudência traz risco para a sociedade em geral e não somente para o condutor. Isso porque dentre as vítimas fatais também estão ocupantes da garupa e, até mesmo, pedestres. Faé explica que é para combater essas ações e evitar mais tragédias que são realizadas operações específicas.
— Anualmente são feitas programações de fiscalização, principalmente em cima dos dados de estatística de onde são mais frequentes (as ocorrências), pontuais e também em locais estratégicos justamente para evitar (os acidentes). Nós temos, por exemplo, operações específicas como a chamada Duas Rodas, que é justamente focada na questão do motociclista. A gente buscar diminuir sempre, anualmente, esses índices — reforça.