Porto Alegre registrou, em 2023, 15.124 acidentes de trânsito – a maior quantidade anotada na cidade nos últimos cinco anos. Os dados apresentados são os coletados pela Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC).
As ocorrências desta natureza na Capital tiveram queda significativa em 2020, primeiro ano da pandemia de coronavírus, quando a imposição de isolamento social reduziu a circulação de veículos nas ruas. Já era esperado, portanto, que os números aumentassem conforme a situação epidemiológica fosse sendo atenuada (veja os dados no gráfico abaixo). Mas o total apontado em 2023 superou em quase 15% o registrado no ano imediatamente anterior ao estopim da crise sanitária.
Em 2019, foram 13.229 acidentes de trânsito — 1.895 a menos (14,3%) do que em 2023, quando, pela primeira vez em cinco anos, foi ultrapassada a marca de 15 mil ocorrências.
Diretor de operações da EPTC, Cirilo Faé atribui o alto número de acidentes registrados à quantidade de veículos que circulam na cidade.
— Há um número acentuado de veículos entrando na Capital, além dos que já temos registrado, que são mais de 900 mil. Diariamente, acessam a cidade em torno de 129 mil veículos. Ocorre que, com o aumento de carros, naturalmente, pode acontecer, e tem acontecido, o aumento de acidentes envolvendo condutores — argumenta Faé.
O diretor destaca ainda o aumento de 15% no número de motociclistas envolvidos em acidentes de 2022 para 2023. Conforme os registros, foram 605 ocorrências a mais de um ano para o outro, saindo de 4.058 para 4.663.
Presidente voluntária da Fundação Tiago Gonzaga e diretora institucional do Detran-RS, Diza Gonzaga recebe esses números como um alerta de que é preciso frear esse aumento. Ela entende a alta como um reflexo da retomada da vida cotidiana pós-pandemia, mas destaca a importância de que isso não seja visto com normalidade:
— Eu acho que a população voltou com a ânsia de viver. Foram dois anos, praticamente, em que se paralisou a vida. Os bares, as festas, os encontros, as aulas presenciais, tantas coisas ficaram represadas. Então, essa ânsia de viver talvez explique um pouco desse aumento da acidentalidade no trânsito.
Pesquisador de mobilidade urbana da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Filipe Grisa comenta que o trânsito é o retrato da sociedade.
— Tudo que a gente vive em sociedade acaba refletindo no trânsito. O trânsito mostra se ela está saudável ou não. Questões como empatia, colocar-se no lugar do outro, ver que aquilo não é um carro, é uma pessoa, às vezes passam muito longe quando se está estressado, na correria do dia a dia.
Números de mortes fica estável
Apesar do aumento de ocorrências em 2023, a proporção de acidentes de trânsito que resultaram em morte se manteve. Foram 69 acidentes de trânsito que causaram 70 óbitos na Capital — um a menos do que em 2022. Em cerca de 63% dos casos, houve apenas danos materiais. Os patamares são os mesmos pré-pandemia (veja o gráfico).
Para Grisa, o resultado indica que os acidentes de 2023 tiveram menor potencial agressivo para a sociedade, mas ainda é necessário ver o aumento dos registros do ano passado como um sinal de alerta:
— Apesar de ter um menor potencial ofensivo, ainda é um comportamento que a gente tem que tomar cuidado. Ações educativas, que visam a conduta no trânsito, têm que ser contínuas, não podem ser de tempos em tempos. Não podemos relaxar, porque as pessoas tendem, infelizmente, a ter comportamentos que fogem das regras.
Prevenção passa por ações educativas e de engenharia
A prevenção a acidentes no trânsito, segundo o professor doutor Carlos Félix, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), passa por diferentes iniciativas, que vão de ações socioeducativas, controle e fiscalização a engenharia de tráfego para capacitação da infraestrutura viária.
— A qualidade da infraestrutura viária, incluindo estradas, sinalização e semáforos, desempenha papel crucial na segurança do tráfego. Problemas como buracos nas vias, falta de sinalização adequada ou manutenção podem aumentar o risco de acidentes — exemplifica Félix.
Conforme o diretor de operações da EPTC, a empresa utiliza os dados de acidentes, entre outros, para definir ações que visam a melhorar o tráfego e trazer mais segurança ao trânsito.
— A cidade se move, e também a nossa engenharia, que tem buscado novas e avançadas técnica para evitar o acidente, e consequentemente, o óbito. Com base nas estatísticas, a gente busca implementações da nossa área de engenharia, de fiscalização, por meio de blitz, e também do nosso setor específico para educar o condutor — diz Faé.
Ele menciona investimentos no sincronismo dos semáforos, para criar o "corredor verde", e na aquisição de equipamentos que permitem o funcionamento mesmo com a queda de energia.
Giza Gonzaga destaca a importância de um conjunto de ações alinhadas para a efetividade dos resultados:
— Nós temos que ter esses três "E's" bem alinhados: esforço legal, engenharia e educação. Mas é na educação que eu coloco as maiores esperanças de uma mudança de comportamento no nosso país, em Porto Alegre e no nosso RS.